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Arte Cem anos sem festa: Teatro do Parque vai da glória ao silêncio no centenário Teatro fundamental da arte em Pernambuco e no Brasil continua de portas fechadas. Artistas organizam protesto em forma de velório na segunda

Por: Isabelle Barros

Por: Luiza Maia - Diario de Pernambuco

Publicado em: 23/08/2015 15:30 Atualizado em: 24/08/2015 10:41

Casa de espetáculos da Rua do Hospício está fechada desde 2010. Foto: Rafael Martins/Esp. DP/D.A. Press
Casa de espetáculos da Rua do Hospício está fechada desde 2010. Foto: Rafael Martins/Esp. DP/D.A. Press
Um teatro silenciado em pleno centenário. É a imagem que o Teatro do Parque, inaugurado em 24 de agosto de 1915, lega ao Recife em uma data que deveria ser comemorada com portas abertas. Desde que a Banda Sinfônica da cidade encerrou a temporada de 2010, não há mais apresentações culturais no local por conta de problemas estruturais - o grupo se apresenta no Teatro de Santa Isabel.

No ano seguinte, aulas, oficinas e exposições ainda ocorriam no espaço, mas a falta de segurança suspendeu as ações. Hoje, o entorno do teatro, na Rua do Hospício, sofre com a falta do movimento gerado pelas atividades culturais. O início da reforma só foi anunciado em 2014. As obras começaram, a passos lentos, em janeiro de 2015, com previsão de término para novembro de 2016.

A interrupção do funcionamento se torna mais grave diante da falta de pautas para as artes cênicas e opções de lazer a preços populares. Mas o fechamento das portas para a reforma não é exclusividade do Parque. O Santa Isabel passou sete anos fechado, de 1995 a 2002. O Arraial (hoje, Ariano Suassuna) enfrentou reforma em 2007 e só voltou à ativa em 2011.

Desde a inauguração, o Parque se consolidou como um dos equipamentos culturais mais importantes do Recife tanto pela imponência quanto pela posição central na geografia da cidade. Fazia parte de um plano ousado do comendador Bento Luís de Aguiar de criar no Centro um Parque de Diversões à moda portuguesa. Um dos únicos teatros-jardim remanescentes do país era o segundo empreendimento, após o Hotel do Parque, ao lado. O comendador português morreu no dia 1º de setembro, sem poder concretizar os sonhos.

A casa de espetáculos em estilo art nouveau se tornou ponto de encontro. As peças eram encenadas apenas até pouco após as 20h, "a fim de terminar a tempo de alcançarem bondes e trens para todas as linhas", conforme noticiou o Diario.

Começava ali a coleção de momentos históricos do teatro, da dança, do cinema, das artes visuais e da música que o local abrigou. Após 30 anos de funcionamento exclusivo como cinema, arrendado ao Grupo Severiano Ribeiro, o prédio foi desapropriado pelo prefeito Pelópidas Silveira, em 1959, e passou a desempenhar um papel importante na popularização da arte no Recife. Filmes, peças de teatro, apresentações de dança e exposições eram oferecidas de graça ou a preços populares, o que fidelizou o público.

Obras em andamento, em agosto. Foto: Isabelle Barros/DP/D.A. Press
Obras em andamento, em agosto. Foto: Isabelle Barros/DP/D.A. Press
O espaço possui um vasto acervo de 80 filmes em película, 498 VHS e 500 DVDs na Cinemateca Alberto Cavalcanti, atualmente em processo de restauro no Museu da Cidade do Recife.

"O diagnóstico mostrou que há peças em bom estado de conservação e outras não muito bom, com mofo. Serão limpas e as latas, substituídas", conta Betânia Correia, diretora do museu. "A gente tem uma cinemateca com obras importantes do cinema pernambucano", diz Lúcia Matos, responsável pelo restauro e catalogação. Aitaré da praia (1925), de Gentil Roiz, e O canto do mar (1953), de Alberto Cavalcanti, por exemplo. Não se sabe onde está a coleção de fotografias do teatro.

Entre 1999 e 2000, o local sofreu a última grande reforma estrutural, insuficiente para sanar os problemas de drenagem. Até a revitalização anunciada pela prefeitura no fim de 2014 esteve no centro de uma polêmica: as obras teriam sido paradas, o que o Executivo nega. O Viver esteve no teatro e verificou que funcionários da Concrepoxi Engenharia, responsável pela reforma, estavam nas dependências, mas o movimento dentro do espaço era pequeno.

Segundo o presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife, Diego Rocha, o cronograma está mantido e a obra é 'prioridade da prefeitura". "A obra não parou, embora o número de funcionários envolvidos tenha diminuído. Há serviços que são feitos fora do teatro. Os vitrais da entrada e o mobiliário dos camarotes, por exemplo, se incluem nisso. Está sendo feito um trabalho com especialistas em restauro e, quando o levantamento for feito, a obra vai voltar a acelerar", garante.

Movimento #Ocuparque organizará um protesto na manhã desta segunda. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press
Movimento #Ocuparque organizará um protesto na manhã desta segunda. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press
O orçamento inicial da reforma estrutural foi fixado em R$ 8,2 milhões e ainda haverá uma nova licitação para a compra de equipamentos quando as obras terminarem. O custo total deve ser de cerca de R$ 10 milhões. E o centenário celebrado nesta segunda-feira não terá atistas, plateia, aplausos. Só o silêncio.

PROTESTO
O fechamento do Teatro do Parque levou a manifestações na frente do equipamento cultural nos anos de 2013 e 2014, e não será diferente no centenário, nesta segunda-feira. Um grupo de artistas vai fazer um protesto contra o fechamento do equipamento cultural nos moldes de um velório, às 11h, em frente ao teatro. Os organizadores da iniciativa, o grupo de teatro João Teimoso e o grupo Guerrilha Cultural vão levar flores, velas e cartazes. Apresentações teatrais e musicais estão previstas para marcar a passagem dos 100 anos da casa de espetáculos.

UMA HISTÓRIA EM REFORMA // Veja as principais mudanças na história do teatro



ATOS INESQUECÍVEIS // Os momentos artísticos mais marcantes da trajetória do Parque

 (Foto: Funarte/Divulgação)
Shows inesquecíveis
O jovem compositor Gonzaguinha, filho do Rei do Baião, Luiz Gonzaga, e a diva do rádio Marlene foram os recordistas de público entre 1977 e 1978 do Projeto Pixinguinha, da Funarte. A apresentação da dupla foi acompanhada por 27.118 espectadores na turnê pelo Nordeste. O teatro estava na rota do projeto e recebeu shows históricos, como Jackson do Pandeiro e Alceu Valença, Fafá de Belém e Beto Guedes. O Seis e Meia, com ingressos populares, também ficou marcado.

 (Foto: Arquivo/DP/D.A Press)
O retorno de Gil
O Parque foi o palco escolhido por Gilberto Gil para o primeiro show no Brasil após o fim do exílio em Londres, na Inglaterra. O baiano chegou à cidade em 28 de fevereiro de 1972, uma segunda-feira, e fez três apresentações, de quinta a sábado. Gal Costa estava na plateia. "Quando não tínhamos a preocupação de fazer carnaval para turista ver a troco de dólares, o povo ia às ruas brincar descontraidamente, sambando e pulando euforia autêntica, sem passarelas e arranjos artificiais", reclamou Gil ao Diario. Na primeira noite, faltou energia logo no início.

 (Imagem Filmes/Divulgação)
Cinema a R$ 1
Desde a década de 1970 - com as produções do Ciclo do Super-8, de Amin Stepple, Geneton Moraes Neto, Fernando Spencer, Jomard Muniz de Brito, Kátia Mesel e outros -, as sessões de cinema eram gratuitas ou com ingressos baratos. Quando chegou o Plano Real, passou a vigorar o famoso Cinema por R$ 1. Cidade de Deus levou 22 mil espectadores à sala, e as pessoas brigavam para entrar. "O pessoal ficava na grade, pedia para ficar em pé", conta Geraldo Pinho, então diretor do local, atual coordenador do Cine São Luiz.

 (Trupe do Barulho/Divulgação)
Trupe quilométrica
Nos anos 1990, após sucesso no Teatro Valdemar de Oliveira, o espetáculo Cinderela: A história que sua mãe não contou, da Trupe do Barulho, cumpriu temporada de dois anos e meio no Parque. Segundo o ator Aurino Xavier, a fila para uma das sessões chegou às imediações do atual Shopping Boa Vista. "O Parque foi muito importante para a trupe, porque foi o único que permitiu a popularização dos preços, e isso fez com que pessoas de classes menos abastadas fossem ao teatro. Como não estávamos caracterizados, quase não conseguimos entrar lá".

 (Arquivo/DP/D.A Press)
Festivais de música
Nos tempos áureos dos concursos musicais, o Parque recebeu a final do 1º Festival Nordestino de Música Popular, em 1969, após eliminatórias em Fortaleza, Salvador e no Recife. A vencedora foi Poema do amor sem luz, de Reginaldo de Oliveira e Cussy de Almeida (1936-2010), defendida por Expedito Baracho. "Levamos a maior vaia do mundo, que só acabou quando o coro começou a cantar", recorda o intérprete. O prêmio era um carro para o compositor e uma viagem a Portugal para os cantores.

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