O porteiro seu Campos

Vladimir Souza Carvalho
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Publicado em: 04/05/2024 03:00 Atualizado em: 03/05/2024 23:15

Do ginásio de Itabaiana para o Colégio Estadual de Sergipe, as diferenças rebentavam, a começar pelo aspecto de palácio que a frente do último exibia. Acrescente-se o fato de estudar pela primeira vez no Aracaju, no meio de desconhecidos, depois de quatro anos com quase a mesma turma, tudo inspirava o silêncio da minha timidez, acolitado pelo ambiente totalmente diferente do que tinha vivido nos tempos do ginásio, só me restando pisar de leve no chão. Até o portão de entrada, do lado direito, me impressionava, sobretudo porque o ginásio não tinha portão.

No seu comando, ou melhor dizendo, com a sua chave, a figura de seu Campos, baixo, camisa branca de manga comprida dentro da calça, barriga um pouco saliente, cabelo preto sem brilho, talvez decorrente da pintura que fazia, passo lento, silencioso, senhor dos horários de todos, turma por turma, do científico ao clássico, autoridade máxima e única, que não se deixava levar pelo pranto dos retardatários, nem pela pressa dos que queriam sair antes do tempo. Acredito até que nem a diretoria se intrometia nas suas atividades. Seu Campos, portanto, imperava sozinho.

Ao seu lado, como sombra que não se desgrudava, o passado de ex-combatente o acompanhava, a conversa transmitida a todos os alunos, seu Campos esteve na guerra, na Itália,  no teatro bélico, como depois, no exercício da magistratura, a gente, nas sentenças, aludiria. Nos tempos do clássico, evidentemente que não, só a notícia, despeada de pormenores, fazendo de seu Campos um herói aos nossos olhos, em contraste com a sua simplicidade, silencioso no que tange aos fatos ligados à guerra. Não sei se desfilava, em 7 de Setembro, no meio dos pracinhas.

Coube a um itabaianense a façanha de se aproximar de seu Campos com a história do pai ter sido seu colega nos campos de batalha. E, para pincelar melhor o quadro, acrescia ter crescido vendo, na cabeceira da cama do genitor, uma foto dele com seu Campos em acampamento das tropas brasileiras. Seu Campos acreditou. O fato, reiterado muitas vezes, foi suficiente para  abrir uma brecha admitindo entradas fora do horário e saídas antes do tempo, sem maiores explicações, afinal, se tratava de filho do fictício colega de seu Campos. O nome do itabaianense? Luiz Carlos Andrade, médico, cuja imaginação para casos afins continua ainda hoje bem afiada e atuante.

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