Nós não somos mais os mesmos; nem Madonna é%u2026

Carolina Ferraz
Mãe e aluna de Vinícius Ferraz, professora universitária, advogada especialista em direito antidiscriminatório; co-coordenadora e co-autora do Manual dos Direitos das Pessoas com Deficiência

Publicado em: 14/05/2024 03:00 Atualizado em: 14/05/2024 05:57

Sou fã da Madonna desde que era uma garotinha e percebia o quão aquela moça atrevida, desaforada e ousada era relevante ao feminino como um todo cantando sobre a hipocrisia do falso moralismo e, de como os homens podiam tudo e as mulheres quase nada Madonna era um bálsamo para as feridas que infeccionam a alma feminina! Era visceral, forte e curativo ouvi-la e assistir suas performances!

Porém vamos lá… entender um tanto as coisas e parar de bater palma um pouquinho. Detesto essa coisa de gringo usando a bandeira brasileira com o velho “pão e circo” e que a plebe vibra e aplaude sem criticidade! É fato que a extrema direita usurpou os símbolos nacionais associando a negação da diferença e do respeito à democracia! Mas não é sobre Madonna agitando a nossa bandeira que resultará a nossa redenção como nação! Podemos ir mais longe do que esse complexo de inferioridade?!

Claro que me fez muito bem ver uma pessoa ex-assentada do MST brilhando no palco, lembrando a todos o quão difícil é a vida num país cheio de desigualdades, principalmente sendo uma pessoa LGBTTQAP+, gratidão a Pablo Vittar e a sua expressão artística e posição política tão necessária em tempos que a neutralidade tem lado!

Gosto de ver uma mulher de 65 anos, exuberante e dona de si mostrando aos etaristas o quão cretino é o preconceito contra mulheres mais velhas! Deixem as mulheres envelhecer em paz! Qual o problema de não ter mais dezoito anos?!

Gosto da parte do show dedicada a prestar homenagens a tantos ativistas em direitos humanos e ao acolhimento às pessoas com HIV. Que sorte vivermos tempos em que a ciência permitiu que as pessoas soropositivas vivam com dignidade!

Gosto da alma “viada” de Madonna porque me vejo assim uma hétera aliada que tem uma alma travesti! Inegavelmente ela fez da sua arte uma bandeira em defesa da dignidade afetiva-sexual!

Mas quem viveu o final dos anos 80 e os 90 ao som de Madonna sabe que o show teve mais do mesmo! E as cenas datadas e previsíveis como a simulação de sexo oral (que já vimos tantas vezes) e as sugestões de orgia eram café de ontem ou pizza do dia anterior.

Sem dúvida o beijo numa pessoa trans (lindo e forte!), foi a meu ver a grande expressão da noite! Lembrando a todos que corpos são desejosos e sexies para além das convenções sociais.

Não me senti - como ativista em direitos humanos, feminista e de esquerda - “salva” pela agitação da bandeira nacional feita por Madonna! Não é sobre uma popstar a questão, mas sobre um país que se permitiu trilhar caminhos nefastos e não enfrentar os monstros no armário!

Talvez minha apatia tenha a ver com o desastre ambiental no Rio Grande e a quantidade de pessoas desabrigadas e desaparecidas… Talvez tenha raizes na “simpatia” que Madonna nutre por Netanyahu (achei pálida a menção contra as guerras diante do genocídio sofrido pelos Palestinos!).

Gostaria de estar com a mesma sensação de júbilo e êxtase de tantos dos meus amigos e de grande parte da esquerda brasileira que alçou Madonna a figura de companheira ou de guerrilheira… Ou de salvadora da pátria (menos compas quem nos salvará somos nós mesmos!).

Sou fã de Madonna e entendo sua relevância, mas não curto uma idolatria rasteira e sem análise crítica! Acho excelente que mulheres sejam tratadas como rainhas, mas acho expressão de pequenez viver buscando mensagens apolíticas ou idolatrias injustificáveis por carência ou mania de esperar Messias! Que tal apenas curtirmos a música, rirmos da hipocrisia dos falsos moralistas e aguardarmos as próximas eleições para que possamos seguir na busca pela recuperação da bandeira, do hino e de um povo que vive querendo se perder de sua grandeza?!

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