Diario de Pernambuco
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Nada a comemorar I. Foi golpe sim

Paulo Roberto Xavier de Moraes
Advogado, professor da ECJ Unicap e Secretário Executivo de Segurança Cidadã da Prefeitura do Recife

Publicado em: 27/03/2024 03:00 Atualizado em: 26/03/2024 22:52

Costuma-se discorrer sobre os eventos que convulsionam o Brasil em 1964 como a ação articulada engendrada por uma coalizão formada por setores das Forças Armadas e por civis, representantes dos principais grupos oligárquicos nacionais e das classes médias urbanas, opositores do presidente João Goulart. O argumento, sustentado até hoje – sem que se negue a ruptura institucional, mas numa tentativa de justificá-la, é de que a empreitada golpista foi necessária para afastar o país de um perigo maior, subversivo de cor vermelha, que prometia acabar com o latifúndio e reformar a educação, dentre outros “acintes”.

Para se manter no poder, a junta militar buscou dar ao governo de fato ares de normalidade, até prometeu eleições diretas, nunca convocadas. Em seus primeiros meses o regime instaurado adquiriu o epíteto de “exceção” por ter subvertido a ordem constitucional no tocante a linha de sucessão presidencial, por ter cassado 41 deputados federais eleitos, afastado 122 oficiais das Forças Armadas, aposentado compulsoriamente 03 ministros do STF e perseguido várias personalidades públicas. Segundo o relatório Brasil Nunca Mais da Arquidiocese de São Paulo, só com o Ato Institucional nº 1 de 1964 provocou o afastamento de 10 mil funcionários públicos e a abertura de cinco mil investigações, envolvendo mais de 40 mil pessoas. Sofreram perda de direitos políticos 2.985 cidadãos brasileiros. Apesar de não serem números precisos, estima-se que, nos primeiros meses após o golpe, aproximadamente 50 mil pessoas tenham sido detidas.

E mais, no afã de transparecer legalidade não revogou a constituição vigente, em contrapartida, editou 17 atos institucionais que esvaziaram o sentido da carta magna, extirpando-lhe eficácia ao não poder ser invocada na defesa dos cidadãos em casos concretos, como na vedação à impetração do habeas corpus em face de atos do Estado.

A conjunção dos eventos descritos, altamente influenciados pelo contexto internacional, impôs ao Brasil já em primeiro de abril de 1964, um golpe militar que derrubou o presidente legítimo, rasgou a constituição, perseguiu e ameaçou cidadãos que professavam ideologia diversa da propagada por multinacionais ou organismos como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – IPES ou a Escola Superior de Guerra.

Portanto, não se tratou de “revolução” como alguns setores costumam arguir, atribuindo “lado” positivo para esse fato. Em verdade, houve sim uma ruptura com a ordem constitucional que fraturou o Estado brasileiro e que até os dias atuais se ressente dos efeitos desse duro golpe que ceifou vidas e postergou reformas ainda hoje aguardadas.

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