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Revolução Francesa no X

Nara Cysneiros
Advogada, mestre em Direito pela FDR/UFPE

Publicado em: 17/04/2024 03:00 Atualizado em: 17/04/2024 04:46

Sou mais velha que o Google – outro dia uma criança achou que eu estava brincando. É do lugar de quem conheceu o mundo exclusivamente analógico que falo sobre o inafastável mundo virtual, para dizer que não são tão diferentes.

Elon Musk tem feito declarações através do X (ex-twitter) em que ataca decisões do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Ameaça descumprir decisões judiciais; defende renúncia e impeachment do ministro; acusa-o de promover “censura agressiva”, de ser “ditador” e de ter o presidente da República em “uma Coleira”.

Como toda novidade, a sociedade precisa compreender a existência, as possibilidades e os riscos de algo para, só então, formular regras de convivência. Com as tecnologias de comunicação não é diferente.

Ficamos maravilhados com a possibilidade de estar perto de todos, a todo tempo, em qualquer lugar. Só depois nos preocupamos com privacidade e segurança, risco de vigilância online, roubo de identidade, cyberbullying e outros abusos. Daí os debates sobre regulamentação legal e proteção dos direitos individuais na era digital.

No multiverso, os espaços são aparentemente desprovidos de leis e apenas o quadro de sócios daquela plataforma – ou o dono, no caso do X – tem domínio sobre o que ali se pode fazer.

O argumento de Elon é: no X só ele tem poderes para regular, decidir e executar, à exclusão de qualquer autoridade estatal. Era o Slogan de Luís XIV: “O Estado sou eu!” Para esconder o argumento absolutista, alega censura à liberdade de expressão, praticada pelo Judiciário brasileiro.

A Revolução Francesa é o marco civilizatório ocidental da queda dos poderes absolutistas, que estabelece a separação de Poderes do Estado como salvaguarda essencial contra o despotismo e a tirania.

Montesquieu, ao argumentar que o Poder Político deveria ser dividido para evitar a concentração excessiva de autoridade, estabeleceu as bases do Constitucionalismo Democrático, a exigir equilíbrio e limitação entre os Poderes do Governo para garantir os Direitos Individuais.

Quando Elon rejeita o cumprimento das decisões emanadas do Poder Judiciário e das normas emanadas do Poder Legislativo de um Estado Soberano, ele quer dizer – no formato de um chilique virtual – no X, o Estado sou eu.

A Constituição brasileira garante que o Poder emana do Povo, que o exerce diretamente ou por representantes eleitos – não por empresários de bigtechs. O nome disso é Soberania. Também temos garantidos os Direitos à cidadania, dignidade, pluralismo político, privacidade (inclusive à segurança de dados), liberdade de expressão (nos limites legais), propriedade intelectual e proteção contra discriminação e assédio.

A adequada programação dos algoritmos para que não violem nem permitam violações aos Direitos Individuais em território nacional é obrigação a que está submetida qualquer empresa com atividade no Brasil.

O conteúdo que o algoritmo te mostra não é o mesmo que mostra a outro usuário. Quando o robô escolhe o que te mostrar, está manipulando teu acesso à informação, tuas emoções e, em última análise, tuas escolhas. Dessa maneira – não o algoritmo, mas quem o programa – te faz escolher o que ler, ver, comprar. E em quem votar!

Essa é a disputa de Elon com o Brasil – o ministro Alexandre de Moraes é a parte escolhida para significar o todo das autoridades do Estado Soberano. Para azar do aspirante a Luís XIV, as instituições democráticas brasileiras são herdeiras da tradição iluminista e capazes de resistir a investidas autocráticas.

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