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A fome e o orçamento secreto

Paulo Rubem Santiago
Professor da UFPE, ex-Deputado Federal

Publicado em: 28/12/2021 03:00 Atualizado em: 27/12/2021 23:04

Por 12 anos estive na Câmara Federal. Nesse período, em mais de um ano legislativo, integrei a Comissão Mista de Orçamento, Planos e Fiscalização, onde deputados e senadores analisam as matérias pertinentes ao Orçamento da União, os relatórios de sua execução e da atuação do Banco Central. Nesses processos, a necessidade de se impor transparência e critérios públicos à elaboração e execução do Orçamento sempre foi urgente.

Para isso, são claros os argumentos. A destinação de recursos de impostos, contribuições sociais e das operações de crédito de endividamento da União deve responder aos objetivos da República Federativa do Brasil, descritos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, dos quais destaco o inciso III: Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades regionais e sociais.

Neste sentido, é inadmissível que numa economia cujo Produto Interno Bruto alcançou R$ 7,4 trilhões em 2020 ainda haja fome na dimensão hoje observada na sociedade brasileira. Dirão os ortodoxos que isso se deve à queda de 4,1% no PIB no ano passado, como fruto da pandemia do coronavírus. Ainda assim, a Receita Federal contabilizou um acúmulo de 21,47% das receitas que deixaram de ser arrecadadas sob a forma de desonerações tributárias, equivalentes a 4,31% do Produto Interno Bruto no mesmo ano. Isso significa que R$ 320,66 bilhões não entraram nos cofres da União, permanecendo nas contas das empresas beneficiadas.

Para onde foram destinados, se o desemprego explodiu nas alturas, o PIB caiu 4,1% e a fome aumentou acentuadamente em 2020 e 2021? Ao lado dessa contradição inaceitável, vimos ser implantado o “Orçamento secreto” no Congresso Nacional, como se pudesse haver segredo na arrecadação e aplicação do dinheiro público. Não havia esse orçamento quando fui deputado federal entre 2003 e 2014. Sua aprovação e aplicação recentemente é a confirmação da sociedade de um grupo de privilegiados do Congresso com o dinheiro público, usado na compra de votos a favor de projetos do executivo, transformando-se essa base aliada de Deputados e Senadores em ordenadores de despesas e tocadores de obras. Por isso o tal “Orçamento Secreto” é uma prática criminosa de privatização política do dinheiro público, desvio de função dos parlamentares, que deveriam debater as políticas econômicas em curso e o aumento da fome entre os brasileiros mais pobres, das periferias, populações negras, sobretudo do Norte e Nordeste.

De costas para essa cruel realidade esses parlamentares e o governo genocida que os alimenta agem em causa própria, como sócios do Estado e de seu orçamento. Assim, o “Mensalão” da primeira década do século 21 se renova e se amplia com esse tal “Orçamento Secreto”, em valores que faltam ao financiamento da produção de alimentos e para o apoio à agricultura familiar, sobretudo no semiárido nordestino.

Tornar público, transparente e democrático o orçamento é tarefa inadiável para a adequada partilha da riqueza e a superação dos interesses criminosos de políticos e empresários obcecados pela concentração de poder, renda e patrimônio em nosso país.

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