Diario de Pernambuco
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De Lauzinho e suas gaitas

Vladimir Souza Carvalho
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Publicado em: 17/07/2021 03:00 Atualizado em: 17/07/2021 07:35

Lauzinho tocava gaita. Acho que era a única coisa que sabia fazer. Ou pelo menos, do muito que o vi nas ruas foi com uma gaita na mão, gaita feita de bambu, quatro ou cinco furos, o corte do bico onde a boca tomava conta. Sempre risonho, fazia questão de ser ouvido, se aproximando dos grupos para exibir seu talento musical. Se tocava bem ou não, já fico calado por não saber responder. À época, muito novo, meu gosto pela música não mexia um só ponteiro do relógio. Nem ao menos balançava. Fica a dúvida sem resposta, no que peço desculpa.  

O surpreendente de tudo, e Lauzinho engolia sempre confete, era a brincadeira que faziam com ele, depois de uma rápida exibição. A pergunta era uma só: você sabe tocar de ouvido? Lauzinho não teve nenhuma iniciação musical, não sabia o que era tocar de ouvido, e, nesse passo, tocar de ouvido se resumia em colocar a gaita no ouvido e esperar que dali saísse algum som. Automaticamente, depois da pergunta, Lauzinho enfiava a gaita em um ouvido. Esperava o som brotar. Silêncio total. Mudava de um ouvido para outro. Nada vezes nada igual a nada. E, aí, encabulado, ora, um músico não saber tocar de ouvido, fechava a cara sempre risonha, e resultado: quebrava a gaita, como se a culpa nela recaísse. Deveria ter um grande estoque de reserva, porque o quebrar a gaita lhe era algo comum.

Na memória desgastada e incompleta, vejo Lauzinho de chinelo, camisa de manga comprida, dois botões fechados, cabelo liso e preto em pequena quantidade, a veemente denúncia da condição de careca que ia tomando todo o espaço da pracinha e arredores da cabeça, a voz meio rouca, e a presença permanente de uma gaita na mão, com seu duplo papel. De um lado, o instrumento musical que lhe deixava feliz e lhe dava status de músico. Antonio Melo tocava saxofone; Toinho Macaco, tambor; Justino sapateiro, tuba; Arlindo, trombone, e, Lauzinho, ah, Lauzinho soprava gaita, conserto rapidamente, tocava gaita, se apresentando sozinho para qualquer platéia que visse na rua, dispensando o acompanhamento do trio devido.  

De tudo deixou uma dúvida se seu ponto maior foi o de tocar a gaita, ou de quebrá-la. Os seus biógrafos podem apontar a condição de tocador. Não vou polemizar, mas fico com a segunda.

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