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A mesa dos 20

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República. Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King's College London - KCL

Publicado em: 11/11/2020 03:00 Atualizado em: 11/11/2020 06:21

Não li O castelo de Axel (Axel’s Castle: A Study in the Imaginative Literature of 1870–1930”, de 1931), de Edmund Wilson (1895-1972). Mas li Rumo à Estação Finlândia (To the Finland Station: A Study in the Writing and Acting of History, 1940). E li e reli, deliciado, Os anos 20 (The Twenties: From Notebooks and Diaries of the Period), obra póstuma de Wilson, organizada por Leon Edel, de 1975.

Trata-se, Os anos 20, de um livro de anotações, fragmentado, que me lembra A vida de Napoleão por ele mesm” (Siciliano, 1995), de André Malraux (1901-1976), levadas em conta as enormes diferenças entre personagens e autores. Falo apenas da formatação das obras. Na verdade, como registra o organizador no prefácio, “Edmund Wilson estava trabalhando em Os anos 20 quando faleceu em 1972. Já havia feito o grosso do trabalho, reunido trechos extraídos de velhos cadernos da época e inserido algumas passagens de reminiscências, dando ao livro um teor autobiográfico, como o Prelude de 1967 e o Upstate de 1971. Estes volumes, também elaborados a partir de velhos cadernos e diários, cobriam as primeiras e mais recentes experiências. Seu objetivo agora era completar as décadas intermediárias”.

Na edição que possuo de Os anos 20 (Companhia das Letras, 1987), eu fiz “anotações” sobre aquilo que mais me interessava. Algumas sobre temas respeitáveis. Uma já distante Guerra Civil Americana. O direito estadunidense. São quase todas de novembro de 1995. Era novo. Costumava levar os militares e as coisas do direito a sério. Bem melhores são as observações que fiz sobre histórias e estórias contadas por Wilson acerca da vida intelectual e boêmia de então, da vida fácil e difícil de homens e mulheres, dos amores tidos e, sobretudo, dos perdidos.

De toda sorte, a soma dessas histórias e estórias, conforme ressalta o organizador do  livro, “constituem, talvez, o mais extenso documento autêntico da época, as observações de um dos protagonistas deste período da história dos Estados Unidos. Edmund nos mostra muita coisa do lado negativo, da crueza de uma América cada vez mais industrializada e desperdiçando seus tesouros, do lado alucinado de Hollywood, das lutas intestinas do mundo literário nova-iorquino, dos mexericos e anedotas sobre seus companheiros; vemos Scott Fitzgerald, Edna Millay e John Peale Bishop; temos vinhetas de Mencken e Dorothy Parker; ouvimos as vozes de E. E. Cummings e Dos Passos, e encontramos Eugene O’Neill e os primórdios da boêmia artística do cabo Cod. Não há registro deste mundo menos retocado nem mais rico em detalhes precisos. Parte deste material foi usado por Edmund em vários livros, pois estes eram os seus cadernos de trabalho”. É um livro que recomendo deveras.

Aliás, durante muito tempo, Os anos 20 foram a imagem quase sensorial de uma Nova York boêmia que eu gostaria de ter conhecido. Um tempo meio louco, é verdade, sendo a grande cidade testemunha de muitas das peripécias, sexuais até, do autor e da sua turma. E sonhava, nostálgico, com o que não tinha vivido.

E não sei por que cargas d’água – devo ter fixado a representação no meu espírito –, quanto aos anos 1920 em Nova York, um local específico me parecia ser o epicentro físico de tudo, o Algonquin Hotel, sito no miolo de Manhattan (59 West 44th Street), que é referido mais de uma vez no livro. Edmund Wilson afirma ter sido levado lá pelo “pessoal da Vanity Fair”, a revista. E ali, embora falando mal de quase todos, frequentou “A mesa”. “Algonquin Round Table”, de escritores, artistas, jornalistas e assemelhados, esse círculo virtuoso e vicioso, tornou-se legendária. Para muitos. E especialmente para mim.

Bom, numa das minhas primeiras vezes em Nova York até tentei me hospedar no Algonquin. Sentar à mesa, talvez. Achei-o à época um pouco decadente (hoje está renovado e custando horrores). Ou talvez, na relação custo-benefício, não valesse o que estavam cobrando. Afinal, o passado legendário, seja de que década for, não volta jamais. Nem pagando muito caro.

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