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Nada de novo no front

Rodrigo Pellegrino de Azevedo
Advogado

Publicado em: 04/09/2020 03:00 Atualizado em: 04/09/2020 05:01

Após minha iniciação em leituras mais sofisticadas, a biblioteca de nossa residência não mais cabia nos meus interesses. Filho de funcionários públicos, à época, que terminaram por me incentivar a frequentar a Biblioteca Pública do Estado, no Parque 13 de Maio. Tive oportunidade de ali passar o tempo e completar meu imaginário nos diversos livros, que em casa seriam inalcançáveis.

Nada do novo no front, de Erich Maria Remarque, foi um dos livros que lá, li. É um romance que conta a experiência vivida por um jovem, Paul Bäumer, nome fictício do próprio autor, durante a Primeira Guerra Mundial. Do ímpeto inexplicável em se alistar para a participação na guerra, até a desilusão com a realidade mórbida na conclusão de ser um fantoche das vontades e interesses alheios, passam-se momentos de dor, aflição e angústia. A maior delas, em concluir que não sabia explicar a razão de ter concordado em matar outros seres humanos.

Em nossas vidas sempre nos deparamos com algumas batalhas que não são nossas e, mesmo assim, não entendemos a quem defendemos. Batalhas com “Generais e Comandantes” de interesses outros que não os nossos. No livro, a conclusão de que a guerra não tem lógica, mostra como somos manipulados e como somos instados, tantas vezes, a brigar por algo que não nos diz respeito, sequer como valor. Comportamo-nos como fantoches, marionetes inconscientes de um teatro.

Olhando o mundo atual, com a variedade e profusão de dados, parecemos caminhar para um tempo de aparente acesso à informação ampla e total. Isso poderia significar não mais sermos iludidos por qualquer vontade alheia que não a nossa própria consciência: será?

Se antes o acesso aos jornais e bibliotecas poderia ajudar pessoas a discernir sobre os fatos, supondo-se que dificilmente esses letrados seriam iludidos, hoje, mais que nunca, a circulação massiva de dados e notícias deveria fazer o mesmo para a grande maioria das pessoas.

Mas, ao contrário, o que observamos é que, quanto mais informação é colocada à disposição de todos, precisamente dos jovens, mais observamos uma espécie de irritabilidade emocional para com os outros e para com quem pensa ao contrário. Vivemos uma época de intolerância geral. Teríamos algo irascível que independeria da nossa razão em estarmos mais propensos ou não para a guerra?

Não há diferença essencial entre o soldado que, inadvertidamente, vai para alguma guerra, com o militante virtual que adere, como robô, a palavras de ordem e pensamentos que totalizam o ser humano em algum complexo feixe de padrões. Ambos desejam dobrar o outro. O soldado, se possível, matando o adversário ou fazendo-o se render. O militante, levando o outro ao escárnio e, se possível, ao cancelamento da pessoa, já que tem a certeza, absoluta, de sua virtude.

Seríamos mais livres hoje sem tantas guerras ou vivemos uma espécie de batalha permanente de baixa intensidade, entre pessoas que se conectam e se aniquilam pelas redes sociais? Qual o fim de tudo isso?

Esse novo front de batalha, as redes sociais, nos faz agir como soldados de grandes plataformas e bolhas, satisfeitos e agindo individualmente, em homogeneidade, tão inconscientes ou até talvez mais que os soldados nas duas grandes guerras.

Continuaremos no processo de “seleção natural” de nossos semelhantes, hoje, cancelando pessoas, todos impregnados de uma espécie de epifania de um mundo livre, pois as escolhas seriam embasadas nos dados, em nossas consciências e na razão. Afinal, haveria algo de novo no front da humanidade?

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