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O progressismo e a ilusão

Rodrigo Pellegrino
Advogado

Publicado em: 03/07/2020 03:00 Atualizado em: 03/07/2020 06:09

Toda expressão, quando sedimentada numa cultura, traz consigo uma origem, uma razão e uma intenção. Expressão sem uso é letra morta, sem vida. Uma delas que me incomoda desde os tempos de Faculdade é a alcunha “progressista”, adjetiva do “progressismo”.

O progressismo substantiva a construção do Iluminismo como condição ao desenvolvimento científico, moral, ético e político do ser humano. Afirmar-se progressista possibilita ao portador a condição de quase infalível, detentor do caminho certo do futuro, aríete das verdades, um quase Deus.

Robert Nisbet, sociólogo, aponta cinco premissas para a ideação de progresso: “o valor do passado; a excelência da civilização ocidental; o valor do crescimento econômico e tecnológico; a fé na razão e no conhecimento científico e acadêmico obtidos através da razão e a importância intrínseca e valor da vida na Terra.”

De sua origem até hoje, muito do progressismo adquiriu, tal qual o fenômeno biológico do parasitismo, colagens filosóficas e políticas, tornando a expressão, em si, um poço de contradições históricas e morais. Isso tem uma razão: o progressismo é uma religião, um credo e, como tal, permite a aderência a si por uma simples questão de fé.

Se eu acredito como inexoráveis o futuro e o progresso da humanidade, esse caminho sem volta a um passado, sempre sombrio (antônimo de iluminado), irá sempre redimir as minhas ideias e posições, pois, como progressista, errando ou não, sendo antiético ou não, desprezando a verdade ou não, estarei em rota coerente com o que a razão (bem intrínseco e único para a verdade) me consola.

O progressista tem uma atitude “messiânica” e ela poderá estar encapsulada na direita ou na esquerda. A depender das circunstâncias de busca pelo poder, ou até mesmo já no poder, ela fará sempre com que a verdade seja objeto de um valor a ser creditado a um futuro inevitável, mesmo que os passos de meu presente apontem para o contrário.

Para isso, o progressismo buscará tornar o pensamento médio sempre uma regra geral de posicionamento. O progressismo prefere a homogeneidade à heterogeneidade e, por tal razão, nem sempre vê com bons olhos a liberdade individual, o pensamento destoante ao médio, o valor da individualidade como contraponto à uma ilusão totalitária; o futuro inevitável ao qual o progressista está aderido.

No plano da intenção, o tempo demonstrou que o progressismo distorceu a sua origem e razão. O século 20 foi o ápice disso tudo. O mito da igualdade progressista foi capaz de colocar numa única cesta os projetos de futuro nazista, fascista e comunista, sem prejuízo de mais adiante, com o “Consenso de Washington” ter apostado em políticas intituladas “neoliberais”, que colapsaram diversas economias com base no modelo idealizado do “fim da história”, no qual somente a “livre concorrência” e a desregulamentação de tudo seria capaz de levar a humanidade ao “futuro inexorável do progresso”.

O fato é que no Brasil – país que para profissionais – o diabo não foge da cruz, andam abraçados, na direita e na esquerda, projetos progressistas, cada qual em busca de sua homogeneidade oca, destituída de significados com a realidade e até de democracia. Projetos que, em conveniência, apostam no esvaziamento dos fatos e na supremacia das versões, sempre apontando seus credos de futuro à mercê da realidade. Os progressistas vivem uma ilusão hierárquica. Sempre se imaginam em cima de uma torre e delas podem ver o futuro. Para falarmos em liberdade e de futuro no século 21, não necessariamente temos que ter crença no progresso, mas sim, ter práticas de tolerância, pois como bem diz Niall Ferguson: “Se antes a sombra da torre protegia a praça, agora é o brilho da praça que ilumina a torre.”

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