Diario de Pernambuco
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Confinamento, volta por cima e chuva

Luzila Gonçalves Ferreira
Membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 14/07/2020 03:00 Atualizado em: 14/07/2020 06:15

Parece que o confinamento recomendado, pelo menos em algumas partes do país, pode ser aliviado. Uff. Mas nesses meses de prisão domiciliar, pessoas trabalharam mais do que em tempos normais, sobretudo as que podem exercer a profissão através da internet, por telefone. Depois do susto inicial, de se isolar, da solidão, coisa difícil para brasileiro, conseguiram dar a volta por cima, retomando a vida onde a haviam deixado. Houve exemplos de solidariedade, como o daquela senhora que costurou máscaras pra doação, teve que colocar um aviso de que eram gratuitas, as máscaras penduradas na árvore da calçada. Ações de particulares, como o pessoal da Criança cidadã, Carlos Eduardo Amaral à frente, distribuindo quentinhas, no meio da noite. Mulheres do Coque costurando máscaras. Um grupo do Poço da Panela fazendo cotas em auxilio a desempregados. Sem falar no esforço das prefeituras, do Recife, sobretudo, distribuindo milhões de cestas básicas, máscaras, material de limpeza, sabão, álcool.

Tais gestos de compartilhamento, não conseguiram apagar certos movimentos negativos, grassando nas redes de comunicação do país, provenientes de pessoas infelizes, evidenciando índoles deploráveis (minha mãe, grande leitora da Bíblia, diria “de procedência maligna”), como ódio, rancor, ironia, propagação de mentiras, afora insultos pessoais, multiplicando-se em fake news. Entretanto, há pessoas decentes, gente equilibrada, acostumada a exercer, como diria Albert Camus, sua tarefa de ser humano. Que acreditam no valor da vida, do saber, da cultura, da arte e continuam a dividir, através das redes de comunicação, alegria, esperança e fé nesses valores, com pessoas das quais nem conhecem o rosto. São jornalistas, cantores, atores, cineastas, poetas, professores,  escritores, estudantes, pesquisadores, ecologistas, sem falar nos médicos, enfermeiros, cientistas, doando-se por nós outros. Em Minas, Sebastião Salgado e esposa reflorestam, ressuscitam nascentes de rio, outrora desaparecidas. Heloisa Buarque de Holanda retoma no Forum M Youtube um belo projeto sobre poesia e literatura nas chamadas “quebradas” do Rio, intitulado Pandemonicas na pandemia. Em João Pessoa, Ana Maria Coutinho é psicóloga e voluntária na Casa da Criança com câncer da Paraíba e num Grupo de terapia comunitária de mulheres da periferia. Perto de nós, Lourival Holanda projeta livro para jovens, algo como a sabedoria de viver, a partir dos Ensaios de Montaigne. Marcos Galindo revisa a tradução do relato de padres franceses no século 17, que esclarece a sabedoria de nossos indígenas em contato com a natureza. Na Academia Pernambucana de Letras, mesmo confinados, Cícero, Lourival, Ana Maria e esta colunista, preparamos vídeos: literatura infantil, Clarice Lispector, belezas da língua portuguesa, Celina de Holanda, respectivamene, tudo parte de projeto maior, patrocinado pela Fundação Joaquim Nabuco e sugerido por seu presidente, Antonio Campos, nosso confrade na APL.

Na semana passada, tivemos um longo dia de chuva, quando há “tristeza em tudo”conforme escreveu Isnar de Moura. Mas no começo da noite, na praia deserta, um pai tomava banho de chuva com as duas filhas, que nem acreditavam na alegria da liberdade readquirida. E eu fiquei feliz porque meu filho retomara a tradição familiar.

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