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Difícil falar de sentimentos que nos tocam

Marly Mota
Membro da Academia
Pernambucana de Letras

Publicado em: 26/05/2020 03:00 Atualizado em: 26/05/2020 05:56

De afetos e saudades que nos prendem e emocionam, ressuscito imagens a me dar conta da solidão nesta quarentena.  Estou só em meu apartamento. Valho-me do que posso fazer com os meus 94 anos. O grande Saramago escreveu:  “Muito universo, muito espaço sideral mas o mundo é mesmo uma aldeia”.

Procuro me adaptar às situações impostas à humanidade. Com meus filhos, conversamos ao telefone nas vídeochamadas, acarinhando e falando. Entre outras coisas está a minha aparência desarrumada. Diante do espelho, com tesoura afiada, corto eu mesma os meus cabelos. Gosto de jogar paciência, perdendo e recomeçando o jogo na tela do computador. Procuro fazer coisas que me emocionam, da imaginação passo-as ao grosso caderno de desenhos, com lápis de cores Faber-Castell, presenteados por minha filha Teresa Alexandrina. Gosto de ler, de ouvir música clássica, já tocadas por mim. Desde o começo de 2020 venho sofrendo a terrível perda do filho Maurício Mota. Morávamos no mesmo apartamento, quartos vizinhos. É triste não o vê-lo transitar pela casa. O seu último livro, Curral da Fala, traz o prefácio do poeta e seu amigo Jaci Bezerra, ”Maurício Motta superiormente lírico”.

Fixei uma pauta em branco na tela do meu computador e paulatinamente venho escrevendo: Em certa tarde passeando com a amiga Glória, na Rua Nova (a nossa Times Square do Recife), encontro charmoso senhor, com o “fumo” na lapela. Glória curiosa pergunta por que usa essa fita preta no seu paletó? Ele não titubeou: sou viúvo! Mal ouvimos, saímos apressadas, rindo muito, para o ponto do nosso ônibus da Madalena na Sulacap. Nesta noite, suspendi a escrita mal iniciada, deixei para outro dia.

Tempos depois, em épocas distintas, casei-me aos 23 anos como relâmpago com o viúvo, poeta elegíaco, Mauro Ramos da Motta e Albuquerque, jornalista do Diario de Pernambuco, por 45 anos como repórter, redator, cronista, secretário, diretor. Época dos Diários Associados com Assis Chateaubriand, ao lado do grande jornalista Aníbal Fernandes na presidência; do atuante Antônio Camelo, João Calmom, Joezil Barros, Luiz Otávio Cavalcanti, Marcos Vilaça, Gladstone Vieira Belo, César Leal, Marcos Prado, uma época de efervescência cultural, de grandes colaboradores: Alberto Cunha Mello, Marcus Aciolly, Raimundo Carrero, Renato Carneiro Campos e tantos outros que será difícil mencioná-los!

Com estímulo dos amigos, especialmente de Luiz Delgado, Nilo Pereira, Valdemar Lopes publiquei meu primeiro livro Pátio da Matriz e fiz minha primeira exposição como artista plástica, no Hotel São Domingos, Praça Maciel Pinheiro. Gilberto Freyre e Abelardo Rodrigues, ambos escreveram no catálogo da minha exposição, em abril de 1967. Escreve Abelardo: “Marly possui inteiro domínio da técnica o que vale é a sua fidelidade às cores, às formas regionais, também a vontade de chegar ao que deseja através da sua própria experiência.” Abelardo também colecionador de arte sacra, a mais completa coleção do Brasil que pelo desinteresse do governo de Pernambuco em adquiri-la se encontra em Salvador, na Bahia. Os mais velhos dos irmãos Rodrigues Francisco, também colecionador de fotografias oitocentistas, não desprezava os fotógrafos, dos mais simples aos mais famosos, com estojos de daguerreótipos, privilégios dos mais abastados. Sua coleção de retratos pertence ao acervo da Fundação Joaquim Nabuco. Meu pai guardou da tia avó Tereza Bandeira de Mello do Rego Cavalcanti, o seu retrato de 15 anos, com vestido romântico com rosas na cintura e nos cabelos, em sofisticado estojo. O maior cronista de Pernambuco, Pereira da Costa,  patrono da cadeira de  número 12 que ocupo na Academia de Artes e Letras do Recife, informa sobre o fotógrafo Frances Evans, que montou atelier à Rua Nova, 14, ainda no século 19. Época da imobilidade, o fotógrafo despertando atenção: daqui vai sair um passarinho.

Para lembrar o caçula dos irmãos Rodrigues, Augusto ou Augustinho como muitos o chamavam, sempre atento às oportunidades que apoiava como artista plástico, ilustrador, caricaturista, fundador das Escolinha de Arte do Brasil e do Recife. À época em que meus filhos Maurício, Eduardo, Sérgio e, tempos depois, Teresa Alexandrina frequentaram a Escolinha à Rua do Cupim, com a festejada professora Noêmia. Augusto Rodrigues foi colaborador e caricaturista do Diario de Pernambuco, que o homenageou recentemente no Caderno Viver, último 24 de abril, com ótimo texto de Emmanuel Bento.

Com Luciana, mais filha que enteada, acompanhamos Mauro Motta no Rio de Janeiro nas idas à Academia Brasileira de Letras, ao Conselho Federal de Cultura quando visitamos o Largo do Boticário, um belo recanto com passarinhos, jardins de Burle Marx, a bela e elegante casa de Augusto Rodrigues, bon vivant e sua bela mulher, a educadora Suzana Rodrigues e suas lindas filhas. No Largo do Boticário também morava a renomada crítica de teatro e professora Bárbara Heliodora.

Neste mínimo espaço, envio os meus sinceros agradecimentos ao amigo escritor Marcelo Alcoforado que, de maneira gentil publicou meus textos em sua Memória Pernambucana, série que alcançou uma centena de publicações.

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