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Como viver depois na democracia?

Rodrigo Pellegrino de Azevedo
Advogado

Publicado em: 22/05/2020 03:00 Atualizado em: 22/05/2020 05:26

Aproxima-se o fim dos lockdowns no Brasil. O cenário que se avizinha, no futuro próximo, é de retorno de todos para a reconstrução de suas vidas, paralisadas em decorrência do recolhimento em fuga da doença ou despedaçadas em razão da paralisação das atividades econômicas. Tony Judt, em seu livro Pós-Guerra – Uma história da Europa desde 1945 chamou esse capítulo no livro, assemelhado com as devidas proporções atuais, de Entrando no Olho do Furacão.

Fazendo um exercício em darmos um pequeno passo, para alguns poucos anos atrás a tudo isso, ouvíamos por parte de muitos, que estávamos vivendo uma “Crise das Democracias”. O fato é que, antes da pandemia, vivíamos, um “desbunde” dos acessos das pessoas, na “nova ágora” das redes sociais. Pessoas que nunca, ou quase nunca, tiveram a oportunidade de expor seus pensamentos de forma aberta e livre. Ora, como falar em crise da democracia com tantos podendo ter voz?

Essa abertura deu ascensão a inúmeros projetos, antes sufocados pelos filtros hegemônicos globais, possibilitando a vitória de governos de direita ao redor do mundo. No mesmo livro Pós-Guerra, “Judt” dedicou outro capítulo que também enlaça nosso momento; a Guerra de Culturas depois do caos. A diferença é que, hoje, essa mesma “Guerra” iniciou-se antes da catástrofe.

A maioria dos Think Thanks – freedomhouse.org por exemplo - falavam em emergências de novas pautas que antes não tinham espaço para a discussão na sociedade com filtros, e que a abertura do acesso de todos, a tudo, com direito legítimo à manifestação livre de controles, fez eclodir uma nova direita e que isso, paradoxalmente, estaria enfraquecendo as democracias.

De certa forma, a ascensão dessa nova direita eclodiu com agendas represadas, que, para além do que se defende no plano econômico, trazem em seus conteúdos a proposição de “Guerra Cultural”, falando em valores morais e culturais relegados pelos anos da hegemonia cultural da esquerda na política e no pensamento intelectual. Esse fosso, num mundo “Pós Pandêmico” tenderá a se agravar.

A rigor, ausência de uma direita com representação no jogo democrático, oferecia uma falsa sensação de homogeneidade de pensamento, capaz de envernizar a realidade, com todas as suas falhas e rachaduras.

No Brasil, insisto em dizer que, por mais que abomine a forma autoritária através da qual o chefe do Executivo pauta a sua forma de lidar com as pessoas e com a crise atual, e até de atacar outros Poderes, não vejo, nas suas diatribes a tudo, declínio em nossa democracia, mas oportunidade para, mais uma vez, nossas instituições exercerem suas competências.

Da mesma forma não considero as apurações em curso contra esse mesmo presidente, bem como as decisões do STF, no ativismo supridor legislativo e ‘moderador’ do Executivo, como intromissão indevida autoritária de um Poder sobre outro. Nossos Cahck and Balances se aprimoram.

O fato é que, a crise e o retorno para a nova normalidade, irá levar essas mesmas vozes a pautar novas reivindicações de curto, médio e longo prazos. Esses novos atores da “democracia digital” tornarão a democracia mais polarizada. Por isso, há a necessidade de líderes que consigam criar uma agenda mínima, com as pautas comuns e com pensamento comunitário capaz de promover a empatia entre as pessoas.

Não podemos deixar que a guerra cultural tome conta de nossa sociedade. Nossa nação estará muito fraturada. Os consensos somente serão possíveis em pontos restritos, por pessoas compromissadas e com princípios profundamente éticos. Pois o que não queremos é que cheguemos ao que Clausewitz justifica: “A guerra é a continuação da política por outros meios.”

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