Diario de Pernambuco
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A epidemia aumenta a pobreza e a desigualdade

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 25/05/2020 03:00 Atualizado em: 25/05/2020 06:12

Em Soacha, perto de Bogotá, as vítimas da desigualdade da América Latina estendem trapos vermelhos em seus casebres. Indicando que ali se passa fome. Em Alta Vista, na periferia de El Salvador, colocam-se farrapos brancos. Na África Subsaariana, alguém na faixa dos 20% mais pobres tem apenas 4% de chance de receber alguma ajuda do governo em tempos normais. Estima-se que os efeitos da Covid-19 e dos lockdowns, somados, poderiam arrastar mais 420 milhões de pessoas à pobreza absoluta (estudo do King’s College de Londres). Cientistas da Universidade John Hopkins calculam que o colapso das redes de saúde e a fome poderiam, combinados, matar 1,2 milhão de crianças e 57 mil mães em seis meses nos 118 países mais pobres. No mundo inteiro, as nações estão se vendo no espelho. E não deveriam gostar da fotografia. A desigualdade e a miséria ficaram escancaradas. Em Nova York, estão morrendo muito mais negros e latinos na periferia do Bronx. Nos EUA, o desemprego sai de 3, 5% e chega a 14,7%. Na Suécia, morrem os imigrantes, com várias gerações amontoadas sob o mesmo teto. A crise é uma grande desigualadora. Atinge com muito mais força os países, regiões e bairros mais pobres. Agudiza situações que já eram precárias.

A primeira resposta era mais fácil de conceber. Lockdown. Ao menos para dar tempo de preparar os hospitais. Mas, no Brasil, desperdiçamos a chegada mais tardia do vírus e o decorrente adiamento da sobrecarga na rede de saúde. Poderíamos ter aprendido com os países que primeiro foram afetados e que agora já estão em fase de desconfinamento. E que já têm acúmulo sobre o manejo e a gradualidade dessa segunda fase. Deveríamos observar como combinam as orientações ou proibições da autoridade nacional com o maior conhecimento das autoridades locais. Como admitem retomar medidas mais rígidas em algumas áreas de repique da epidemia. Como entendem a importância estratégica da testagem e do rastreamento. Como focam os grupos e áreas de maior probabilidade de contágio. Como hierarquizam a cronologia da retomada de cada setor. Infelizmente, estamos novamente desperdiçando essa experiência dos demais países.

Já se sabe que as quarentenas não podem durar muito. A partir de algum tempo, os custos em vidas perdidas são maiores do que as salvas. Afinal de contas uma vida perdida pela Covid-19 ou por câncer, tuberculose, Aids, malária, sarampo, ou falta de atendimento médico em um AVC ou infarto é sempre uma vida. A OMS estima que, se a vacinação fosse interrompida na África em função da Covid-19, cerca de 140 crianças poderiam morrer por cada vida salva pelo lockdown. Para o inevitável desconfinamento, portanto, os governos deveriam pesar melhor os custos e benefícios de cada estratégia. Aqui, como mostrou a célebre reunião ministerial do dia 22/4, fala-se de tudo menos de um planejamento eficaz para a retomada da vida.

Preocupam as cenas de alienação, ingenuidade ou hipocrisia proporcionadas por gente bem instalada e com renda garantida “chocada” com a quantidade de pobres nas ruas e mercados. Não lhes passa pela cabeça que os que estão nas ruas adorariam a troca de posição. Ficar em casa com Netflix e outras amenidades. Que sonham com um emprego formal, de preferência com a estabilidade do serviço público. Ou apenas com a possibilidade de vender algo nas ruas. Como a desigualdade e a pobreza aumentaram, fica o desafio para cada um de nós. Que façamos algo para que o “novo normal” do pós-crise não seja apenas a diminuição da atividade econômica. Nem esse sentir-se “chocado”, tão estéril. Mas que incorpore esforços genuínos para incluir os excluídos. Para diminuir as indecentes desigualdade e pobreza que distribuem de modo tão assimétrico os custos da maior crise mundial desde a 2ª Grande Guerra.

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