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A lição que fica de uma troça carnavalesca

Antônio Campos
Escritor e presidente da Fundação Joaquim Nabuco

Publicado em: 18/02/2020 03:00 Atualizado em: 18/02/2020 05:39

Desde os tempos de juventude, o sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre mostrava-se, segundo seus biógrafos, um entusiasta pelos carnavais do Recife e um fervoroso defensor das suas tradições mais genuínas, contra a carioquização da nossa festa máxima. Nesse sentido, nos seus livros, em artigos no Diario de Pernambuco, conferências na Fundação Joaquim Nabuco/Seminário de Tropicologia, era um intransigente crítico do que ele considerava alheio aos nossos costumes carnavalescos. Que o samba, dizia ele, procure o seu lugar. Em 1928 há um famoso depoimento de sua autoria sobre essa preocupação de estudioso das nossas tradições. Era, assumidamente, um folião do Clube das Pás, dos seus carnavais ainda hoje lembrados como dos mais animados do Recife. Deve, esse Clube, uma homenagem ao seu mais famoso frequentador, uma placa comemorativa para celebrar os seus tempos de dançarino e amigo. Sendo, desse Clube, de onde partiria uma defesa fervorosa das nossas agremiações carnavalescas mais populares, um registro feito na tese de doutorado: Gilberto Freyre entre o frevo e o samba no carnaval do Recife, de autoria de Hugo Menezes Neto, apresentada à Universidade Federal do Pará (UFPA).

Quando se aproximavam os ânimos momescos dos funcionários da Fundação Joaquim Nabuco, nesta gestão, para resgatar a Troça Carnavalesca Mista Segura o Talo, fundada por antigos servidores da instituição, em 1984, fui de imediato simpático à ideia, dando o meu apoio, reconhecendo que era uma oportunidade, também, de homenagear o seu mais famoso folião, Gilberto Freyre, os seus ideais por esse festejo popular e suas autenticidades pernambucanas, e o carnaval do Recife e Olinda, para mim, superlativamente, o melhor do mundo. Saindo da secular jaqueira, inspiradora da troça, percorrendo o campus Gilberto Freyre cercado de árvores típicas dos trópicos, a agremiação reuniu, dia 15 do corrente, com trio elétrico, cerca de quinze mil simpatizantes ao longo da Avenida 17 de Agosto, uma das mais movimentadas da capital.

Antes, fizemos a abertura da Exposição na Sala Mauro Mota, dedicada aos 36 anos da troça, este ano com o tema  “Segurando o talo por uma sociologia da Alegria”. E foi entregue a Gilberto Freyre Neto, secretário Estadual de Cultura, o símbolo da grande festa. Já no domingo (16) realizamos o Segura o Talinho, dentro da programação dos Domingos dos Pequenos, reunindo mais de 200 crianças no pátio do campus Casa Forte, fomentando nos futuros foliões, que participaram de oficinas de frevo, estandartes, máscaras, entre outras, o sentimento positivo por essa festa tão pernambucana.

Uma agremiação genuinamente popular, de fisionomia pernambucana e nordestina, sem cordão de isolamento, cheia de oportunidades artísticas, da qual voltaram a participar, além dos moradores do bairro recifense de Casa Forte, outras tantas troças incorporadas ao Segura o Talo, como caboclinhos, maracatus urbanos e rurais, passistas de frevo, clubes de tradição lírica, muitas fantasias, desfile de estandartes, orquestra típica, dançarinos de frevo, gente vindo de bairros distantes e de outras cidades, sem um só registro de ocorrência policial. Tornou-se obrigatória, pela animação e sua história, no calendário oficial dos festejos de  carnaval de rua do Recife. Um exemplo, a seu modo, do que Gilberto Freyre sempre desejava para “uma quase perfeita democracia social que será um dia o Brasil”. No final, resta uma aproximação, que desejo estabelecer, como dirigente da Fundaj, com os moradores da cidade. Há muitos meios de convergências. O carnaval, sendo uma festa popular, é uma dessas afinidades.

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