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O Senado, a História e as mulheres

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 14/01/2020 03:00 Atualizado em: 14/01/2020 08:51

A Livraria do Senado inaugurou, há meses, uma coleção que visa divulgar parte da literatura brasileira aquela que, por diversas razões, permaneceu esquecida nas estantes, ao longo dos anos: a ficção escrita por mulheres. Nada mais justo. Durante anos devemos às Edições do Senado este grande feito: a publicação de obras raras, capitais para o conhecimento do que fomos, como os Ensaios e Estudos de Capistrano de Abreu, História da Independência do Brasil de Varnhagen,  Garibaldi e a Guerra dos Farrapos, de Lindolfo Collor, A Abolição,  de Osório Duque Estrada, História Militar do Brasil, de Gustavo Barroso, Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, de Joaquim Manoel de Macedo.  E até obras esgotadas, quase enciclopédicas, como a monumental História da Literatura Ocidental, de Otto Maria Carpeaux. De autoria feminina, quase nada, salvo o estudo sobre Machado de Assis, de Lúcia Miguel Pereira. Tais publicações são apenas o reflexo do quanto a história da humanidade foi escrita, sobretudo, por homens. Que inclusive inventaram e dirigiram os destinos das civilizações, como lembra Juan Arias: “O mundo, as guerras, o amor, a vida e a morte, os sentimentos, foram forjados apenas por metade da humanidade. A outra metade sofre e aguenta até hoje.” E, entretanto, através dos tempos foram as mulheres que asseguraram a manutenção e a vida das familias e das comunidades, como o assinala Michèle Perrot: cuidando das crianças, ocupando-se da agricultura e mais recentemente, levando adiante a economia sustentada pela indústria, trabalhando nas fábricas  enquanto os homens iam à guerra. Arias, jornalista em El País, jornal editado na Espanha com edição latinoamericana, comentando a situação calamitosa vivida pelas brasileiras e a expansão do feminicidio no pais, escreve: “A cada quatro horas uma mulher morre por ser mulher, por medo ou ódio” e assinala a necessidade para as mulheres de escreverem sua própria história, a antiga, a atual e aí há muito pano para as mangas. Como o estão fazendo Heloisa Buarque de Holanda, Mary Del Priore, Lilia Schvarts, Constancia Duarte, Ivia Alves, para só citar alguns nomes.
 
Mas ao escrever este artigo, pensávamos, sobretudo em assinalar o surgimento da Coleção Escritoras do Brasil, do Senado Federal Que busca recuperar, retomar, nossa história, em seu dia a dia através da produção literária de mulheres do passado. Como um dos primeiros livros, temos Ânsia eterna, contos de Julia Lopes de Almeida, que viveu a Abolição, os tempos do Império e da República e nos deixou o retrato da sociedade brasileira nesses períodos, com sensibilidade, inteligência e argúcia. Uma leitura indispensável e deliciosa. Nota: a coleção está também disponível gratuitamente para download na Biblioteca Digital do Senado Federal (BDSF) na página da Livraria do Senado. A não se perder.

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