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Meio ambiente x Saneamento x Miséria

Moacir Veloso
Advogado
moacirveloso@ig.com.br

Publicado em: 02/12/2019 03:00 Atualizado em: 03/12/2019 10:37

No final dos anos 90, estava em meu escritório, quando tocou o telefone: Era um magistrado com quem mantinha estreito relacionamento. – Moacir, pode vir aqui no meu gabinete agora? – Posso; o que está havendo? – Nada de mais, venha logo que aqui a gente conversa. Lá chegando, deparei-me com o seguinte quadro: A Companhia de Policiamento do Meio Ambiente da PMPE – CIPOMA, havia prendido em flagrante um idoso, acusado de ter comido um tatu, animal da fauna silvestre, cujo abate já era tipificado como crime ambiental. Lá estava sentado num canto o esquálido idoso criminoso. O delito em espécie foi praticado no semiárido deste estado. Disse-me o magistrado: Moacir, redige um habeas corpus em favor deste pobre homem, que eu defiro e solto ele; essa prisão, embora legal, é injusta; não posso compactuar com esse absurdo. Redigi a peça, o habeas corpus foi concedido e o nordestino faminto foi posto em liberdade. Em tempos de Intercept, caso esse episódio chegasse às redes sociais, os ambientalistas de plantão iriam querer comer vivo  o magistrado, que nada mais fez senão cumprir sua nobilíssima missão jurisdicional; implementar justiça substancial.

E por falar em crimes ambientais, o recente desastre ambiental resultante do vazamento de óleo nas praias do litoral nordestino mobilizou vários órgãos federais, estaduais e municipais. As dimensões da catástrofe, ainda sem autoria definida, têm provocado embate entre autoridades, ambientalistas e comunidades, que vêm cobrando respostas eficazes dos órgãos competentes. Até aí tudo bem. Viva a salvação do planeta!

Há entretanto o outro lado da moeda. Pesquisas recentes, atestam que a maioria da população do Nordeste vive sem esgoto – pouco mais de um terço dos brasileiros vivem em domicílios sem coleta de esgoto sanitário. O quadro, que se mantém praticamente inalterado nos últimos anos, é pior nas regiões Norte e Nordeste. São 74,156 milhões de brasileiros, ou 35,7% da população total vivendo nessas condições. Desse percentual 63%, ou 46,526 milhões de pessoas moram no Norte e Nordeste. Como se isso não bastasse, temos o pior: O Brasil atingiu nível recorde de pessoas vivendo em condições de miséria no ano passado: 13,537 milhões de brasileiros, contingente maior do que a população da Bolívia, segundo o IBGE (DP /7.11.2019/ pg. A/14). Diante desses números, chegamos a um  perverso paradoxo: Enquanto meio mundo se mobiliza para combater os efeitos deletérios produzidos pelo derramamento de óleo no litoral brasileiro, pouco ou quase nada se faz em socorro desses 13,357 milhões de brasileiros que vivem na extrema pobreza.

No Recife a realidade não é diferente. Uma legião de indigentes espalhados pelas calçadas, embaixo de pontes, viadutos, marquises, dormindo ao relento, nos sinais de trânsito, assombram nossos sentimentos de piedade e compaixão. É a barbárie contemporânea, Vegetando a céu aberto, subsistindo às custas da caridade pública.  Por oportuno, rendo minhas homenagens às ONGs -  Recife do Bem, Centro POP, Grupo Samaritanos, e outras que atuam nesta capital, formadas por voluntários que se dedicam a ajudar esses desafortunados. Quanto ao saneamento básico do Recife, questão crucial para o meio ambiente e a saúde pública, apesar da atuação positiva dos órgãos competentes do município, ainda falta muito para o gravíssimo problema ser solucionado. Salvo prova em contrário, não há notíias de nenhuma ação dos ambientalistas voltada para a espécie. Ocupados em questões de grande importância, como a da Amazônia, por exemplo, parecem não dar a mínima para o saneamento básico, pedra angular da saúde pública. O abandono psicológico, moral, material e político desses 13,537 milhões de seres humanos que vivem em diuturna expiação, representa um crime contra a humanidade. Antes de salvar o planeta, que tem milhões de anos de vida pela frente, cumpre exercer a caridade e o amor ao próximo em relação àqueles aos quais somente resta recorrer através da fé, ao nosso bom Deus. Afinal eles não têm a menor culpa com a ação   dos milhões de criminosos que estão a destruir o que resta do planeta.

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