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A universidade do crime

Inaldo Rocha Leitão
Advogado, ex-deputado federal, ex-secretário de Justiça da Paraíba e ex-Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados
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Publicado em: 26/12/2019 03:00 Atualizado em: 26/12/2019 10:09

Como secretário da Justiça da Paraíba, no governo Ronaldo Cunha Lima, convidei o ministro Evandro Lins e Silva para debater em João Pessoa o sistema penitenciário nacional em 1992 e dele ouvi a sentença que inspira o título acima: “A cadeia é a Universidade do crime”. O retrato do Sistema Penitenciário brasileiro é chocante. O custo para manutenção dos presos é alarmante. A superlotação nos presídios ofende a lei da física. E as condições carcerárias nas unidades prisionais são desumanas e degradantes. E esse quadro tenebroso não pertence à atualidade.

A soma dessas quatro premissas afronta cláusula pétrea da Constituição Federal (art. 5º, III, que garante que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”), rasga a Lei de Execução Penal (art. 5º, que garante a individualização da pena) e viola todos os tratados sobre direitos humanos existentes no planeta, especialmente os subscritos pelo Brasil.

Levantamento do Ministério da Justiça em 2015 revelou que há 607.731 pessoas presas, 45% das quais em caráter provisório (sem condenação). Esse número hoje é estimado em 700.000, representando um déficit de 250.000 vagas. Considerando que há 437.000 mandados de prisão aguardando cumprimento, a população carcerária poderá chegar a 1.137.000 – e o déficit a 687.000.

Um estudo sobre o sistema prisional brasileiro, feito pelo Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, revelou que “a situação no Brasil é considerada grave, já que nós temos um alto índice de encarceramento, uma alta taxa de prisões. Embora sendo um país populoso, isso denota uma política centrada na prisionização, o que é grave”, ressalta o documento. Mais: “O Brasil está ainda engatinhando em buscar alternativas à prisão, que é o principal desafio hoje.”

Para vencer esse desafio vem faltando criatividade aos governos. A cantilena de sempre é a de “construir novos estabelecimentos penais” - o que pouco acontece. E ainda bem, posto que: a uma, porque não há recursos disponíveis; a duas, porquanto melhor do que construir cadeias é construir escolas. A solução passa, inevitavelmente e obviamente, pela mudança de postura cultural. Isso significa espancar a velha prática da prisionização para acusados ou condenados em geral.

É preciso separar os acusados ou condenados por crimes de baixo impacto social dos que ofendem seguidamente a sociedade pela prática de crimes bárbaros, chocantes ou hediondos. É preciso livrar os autores de delitos não graves das garras das organizações criminosas que dominam o sistema penitenciário ante a impotência do Estado. Mas também é preciso livrar o contribuinte do alto custo do preso, hoje estimado em R.000,00 (três mil reais) por mês.

Com efeito, é de imperiosa necessidade reduzir a população carcerária, mantendo nas cadeias os presos perigosos, reincidentes ou pertencentes a facções criminosas que continuam em ‘atividade’ de dentro das unidades prisionais. Uma saída para reduzir o caos reinante no sistema prisional seria pela via da prisão domiciliar para acusados ou condenados por crimes de baixo impacto social e primários, que arcariam com os custos de sua manutenção, poderiam trabalhar em casa, conviver com a família e encontrar o caminho da ressocialização, tudo sob o monitoramento do Estado através do uso de tornozeleira eletrônica (custo mensal de R).

A prisão domiciliar, ao contrário da ideia que passa de que o preso está desfrutando de alguma regalia, produz o mesmo efeito, do ponto de vista psicossocial, do que a prisão nas cadeias, pois retira das pessoas acusadas ou condenadas o bem mais precioso do ser humano: A LIBERDADE. Noutro turno, torna dispensáveis gastos milionários com a construção de novas unidades prisionais, resultará no fim da superlotação carcerária e possibilitará o efetivo controle das facções criminosas que atualmente dominam os estabelecimentos penais brasileiros.

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em entrevista ao UOL na semana passada, fez uma declaração nessa linha: “Se nós insistirmos nesse encarceramento sistemático, no quadro atual, em que os presídios estão dominados pelas grandes organizações criminosas, nós estaremos fornecendo mão de obra baratíssima para essa gente”. Não é tarefa fácil ir contra a opinião majoritária da população a favor do encarceramento indiscriminado, justamente por desconhecimento dessa realidade.

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