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Homens, vivam e deixem-nos viver!

Fabiana Leite Domingues
Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/PE

Publicado em: 23/11/2019 03:00 Atualizado em: 05/12/2019 14:38

Em artigo intitulado Salvem Nossos Homens, publicado no Diario de Pernambuco em 12/11/2019, o professor Kennedy Barreto afirmou que “existe no Brasil lei que demoniza o sexo masculino, a Lei do Feminicídio”. Acontece que a demonização, na verdade, persegue as mulheres há muito tempo e perdura em pleno 2019 quando nos deparamos com esse tipo de posicionamento, o que demonstra o quão  nós mulheres sofremos e temos que continuar lutando contra o machismo cotidiano.

No ano passado 32,9% dos assassinatos de mulheres em Pernambuco foram ocasionados por questões de gênero – por sentimentos de posse/propriedade, ciúmes, misoginia e outros tantos sentimentos ainda perpetuados por nossa sociedade patriarcal. Assim, três em cada dez mulheres assassinadas em nosso estado morreram por, simplesmente, serem mulheres. Esses dados são da Secretaria de Defesa Social (SDS).

Pernambuco ocupa o 7º lugar entre os estados com o maior número de assassinatos de mulheres, além de ser o 4º lugar no ranking das unidades federativas que mais tiveram casos de feminicídios no ano de 2018. Para trazer um panorama geral da violência sistêmica que estamos falando, no ano de 2018 foram “apenas” 2.522 de casos de estupro no estado, inclusive o maior percentual desde 2014. Tivemos 39.945 casos de violência doméstica, o maior número desde 2012.

A Lei do Feminicídio foi criada para dar visibilidade e criminalizar com mais rigor um fenômeno típico e nefasto das sociedades patriarcais: a misoginia. O ódio ao sexo feminino, por exemplo, faz do Brasil o 5º país do mundo com maior taxa de assassinatos de mulheres, perdendo apenas para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), nos últimos 10 anos, 50 mil mulheres foram mortas, uma média de 15 mulheres por dia.

Segundo pesquisa da USP, 71% dos feminicídios ocorridos em 2019 tiveram como agressor o atual ou o ex-companheiro da vítima e, em 9% dos casos, o assassino era um conhecido, vizinho ou familiar, o que demonstra que a principal característica deste tipo de crime é ser cometido por alguém do círculo social da vítima, caindo por terra a ideia falaciosa de que uma mulher, ao estar acompanhada de um homem, necessariamente está mais protegida.

Outro dado gritante é que 8 em cada 10 vítimas de feminicídio foram mortas dentro da própria casa, o que demonstra a dupla exposição das mulheres ao fenômeno da violência (dentro e fora do lar). Também é importante destacar o fato de que 45% dos homens que assassinaram suas companheiras não tinham antecedentes criminais e mataram por razões múltiplas: desde o desejo insano de controlar a vítima até a vontade de descartá-la depois de anos de convivência.

O feminicídio (que tardiamente só entrou em vigor em 2015), é um crime que acontece em sociedades marcadas  pela discriminação e desigualdades de direitos, devido às construções culturais machistas e sexistas, de costumes e tradições conservadoras, e com base nessas construções culturais, muitos homens acham que o recato, a obediência e a submissão são deveres das mulheres; e o pior, pensam que a violência é uma resposta legítima para conflitos. Exemplo: atribuir culpa à vítima por ter usado roupa curta ou porque traiu, ou simplesmente porque quer terminar o relacionamento.

Infelizmente, ainda hoje, a violência contra a mulher é naturalizada, banalizada e por isso a importância da nomeação do crime feminicídio, sendo, pois, um dos passos para romper com a invisibilidade e estigmas discriminatórios, para desconstruir paradigmas e denunciar os assassinatos constantes e numerosos de mulheres por razões de desigualdade de gênero.  Mas também é preciso ir além de nomear o crime: é preciso também desnaturalizar essas práticas, esses pensamentos enraizados nas relações pessoais que contribuem para a perpetuação dessas mortes. É preciso fomentar a  reflexão e debates sobre violência de gênero, para assim alcançarmos uma verdadeira mudança de comportamentos na sociedade.

Não há justificativa razoável para se cometer um crime contra a vida de uma mulher. Somos secularmente culpadas pelos crimes de nossos algozes. E precisamos dar um basta! Feminicídio não é privilégio. É uma triste necessidade.

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