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Editorial Peru: impasse institucional

Publicado em: 02/10/2019 03:00 Atualizado em: 02/10/2019 10:13

Aconteceu no Peru fato que parecia relegado ao século 20 ou aos ecos chavistas na Venezuela. Na segunda-feira, o presidente Martín Vizcarra dissolveu o Congresso, de maioria oposicionista, e convocou eleições parlamentares para 26 de janeiro próximo. Não se trata de golpe. A Constituição autoriza o ato sempre que o Legislativo negar por duas vezes a moção de confiança ao chefe de Estado.

No caso, Vizcarra pretendia reformar o método de nomeação de magistrados do Tribunal Constitucional. Mirava objetivo claro: impedir que a corte superior fosse tomada pela oposição. O Parlamento respondeu horas depois com a suspensão temporária do chefe de Estado “por incapacidade moral” e a nomeação da substituta, a vice-presidente Mercedes Aráoz, em sessão na qual a situação esteve ausente.

Juristas afirmam que a decisão é inválida. Segundo a Carta Magna, só um julgamento político pode declarar a vacância da presidência. Não foi o que ocorreu. Mesmo assim, o ato de Viscarra lembrou o de Alberto Fujimori. Em abril de 1992, o então presidente deu um autogolpe e assumiu plenos poderes com o suporte dos militares. Trata-se de recordação incômoda, sem dúvida.

No embate entre Executivo e Legislativo no país vizinho, ocorreu fenômeno cada vez mais generalizado e preocupante na América Latina. Ninguém foi às ruas em apoio ao Parlamento, cuja rejeição ultrapassa 90%. Por seu lado, o presidente recebeu o aplauso do povo, da cúpula militar e de governadores regionais. Nas manifestações ocorridas nas principais cidades peruanas, cartazes pediam o fechamento do Congresso.

Martín Vizcarra navega em popularidade graças à cruzada contra a corrupção. O discurso populista encontrou terreno fértil: os quatro últimos presidentes são acusados de receber propina da construtora brasileira Odebrech. Um deles, Alan García, suicidou-se neste ano com um tiro na cabeça quando ia ser preso.

A crise mergulha o Peru em indesejável impasse institucional. Ao dissolver o Congresso e convocar eleições parlamentares, o presidente inviabilizou qualquer possibilidade de diálogo — o melhor caminho, senão o único, trilhado nas democracias. Agora o país tem dois líderes. (Araóz prestou juramento diante do chefe do Legislativo, Pedro Olachea, logo depois de eleita.) Até o pleito, a Comissão Permanente do Congresso, de 18 membros (a maioria deles opositores) responderá pelas funções legislativas no país. O futuro é incerto.

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