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A (má) qualidade das autoridades

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 30/09/2019 03:00 Atualizado em: 30/09/2019 09:08

O ex-Procurador Geral da República Rodrigo Janot disse que foi ao STF decidido a matar o ministro Gilmar Mendes. Alegou que o motivo seria a acusação do ministro de que a filha dele teria advogado para a OAS. Ao que enxergou como difamação de sua família, queria reagir à bala. Como um coronel do passado. Muitos se perguntam se ele não tinha outros motivos para cogitar matar um ministro do Supremo. Outros indagam se a revelação, só agora feita no seu livro, não significaria a continuação da ameaça.  Se achava que suas diferenças com Gilmar Mendes seriam resolvidas com o assassinato, quem garante que ainda não pensa assim? Segundo ele próprio, seu intento só não se consumou por causa da interveniência de um terceiro - Deus. Deixa subentendido que a sua própria vontade ainda é aquela. Apenas o Terceiro impediu-o. E se o Terceiro cochilar? Ele vai tentar consumar sua intenção? Uma intenção que ele não afirmou ter mudado. Pode-se mesmo cogitar que ela pode ter aumentado depois que o ameaçado soltou nota recomendando-lhe tratamento psiquiátrico e menosprezando o seu baixo domínio do idioma e da técnica jurídica. A essas debilidades, o mandato de Janot na PGR adicionou a precariedade ético-política e a irresponsabilidade corporativa. Além de querer abater o ministro Mendes a bala, ele já tentara abater o então presidente Temer com suas ‘flechadas’. Com essas, adiou algumas reformas que já se sabia teriam que ser enfrentadas por qualquer governo que se seguisse. O resultado foi a persistência do baixo crescimento e do desemprego de 13 milhões de brasileiros. Ao mesmo tempo, Janot agia com extrema leniência em relação aos irmãos  Batista, da JBF. Hoje ele e seu irmão estão soltos, ainda mais ricos. E parece ter escapado incólume um dos seus assessores, o procurador Marcelo Miller, que fora acusado de passar informações a Joesley e Wesley Batista quando ainda era do MP.

As peripécias de Janot nos conduzem ao debate sobre a baixa qualidade de muitas das nossas autoridades. No plano ético, os exemplos abundam nos três poderes. No plano técnico, salta aos olhos o despreparo do presidente, de muitos dos governadores eleitos na última leva, de parlamentares, de ministros dos tribunais superiores, de procuradores. A lista é longa. No plano da maturidade político-institucional, o quadro não é menos desolador. Uma certa tradição elitista antidemocrática tende a explicar o fenômeno em termos de atribuir a baixa qualidade das autoridades eleitas à propensão das massas ao apelo de demagogos despreparados. Albert Hirschman (The Rethoric of Reaction, 1991) já alertara para esse raciocínio ao condensar em três teses os argumentos contra os direitos democráticos. Para esses retóricos, a ampliação da participação das massas seria inútil (tese da futilidade), ameaçaria conquistas anteriores (tese da ameaça) ou traria efeitos contrários ao pretendido (tese da perversidade). Para os adeptos dessas teses antidemocráticas, o remédio seria impor restrições à democracia. Para os que as combatem, o remédio é o oposto. Trata-se de ampliar, aprofundar e aperfeiçoar as instituições.

Sabemos que uma pessoa pode elevar a dimensão do cargo público que exerce. Por suas virtudes. Mas, uma pessoa menos virtuosa pode rebaixar a dimensão da cadeira que ocupa. Um sujeito despreparado como Janot não pode servir de condenação ao conjunto do Ministério Público. Que, sabemos, tem em seus quadros muitos servidores públicos valorosos e vocacionados. Mas parece óbvio que precisamos rever os mecanismos que permitiram uma nomeação de alguém tão despreparado nos três sentidos acima vistos. A escolha pelo voto da categoria parecia ser um antídoto à interferência político-partidária. Viu-se que não se eliminou a politização. Ao contrário, a própria instituição ficou mais politizada, com grande escopo para os interesses corporativos. Para entrar nas listas, a tentação ao aceno populista à categoria não é desprezível. Vai se consolidando a percepção de que a nomeação do PGR e similares deve ser feita com critérios objetivos mais rigorosos. Inclusive de sanidade, conduta ética, preparo técnico e espírito público. Não são mais suficientes os requisitos do § 1º do art. 128 da CF: i) ser integrante do MPU com mais de 35 anos; ii) aprovação do nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal e; 3) nomeação pelo Presidente da República. Viu-se também que a opção do presidente por um dos nomes de uma lista votada pela categoria, ao lado desses vagos requisitos, pode levar a escolhas como a de Janot.

Esperemos que o baixo nível de tantas de nossas autoridades não encoraje teses antidemocráticas. Que não se culpem os avanços democráticos que o país experimentou desde a Constituição de 1988. Mas precisamos seriamente dialogar sobre reformas institucionais que se tornaram inadiáveis. O Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público precisam ter repensados os respectivos critérios de escolha dos seus membros. Sempre aperfeiçoando os mecanismos da participação do povo, o único soberano.

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