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Sua Excelência

Ricardo Leitão
Jornalista

Publicado em: 10/08/2019 03:00 Atualizado em:

Homem notável por seu equilíbrio e militância pacifista, abespinha-se Sua Excelência com os constantes arroubos do mandatário bolivariano na fronteira ao Norte. Tanto que, dentro em pouco, pretende lhe lançar um repto: ou raspa de imediato o farto bigode ou terá seu território invadido, sem clemência.
Operação com tamanha mobilização de milhares de tropas e toneladas de equipamentos exigirá o desvio das águas do rio Amazonas. Em que sentido? Claro que no sentido das terras secas do Nordeste, que passarão assim a ter o precioso líquido em abundância. A torrente desviada derrubará milhões de árvores da floresta. Porém, os espaços devastados serão imediatamente recompostos com os vigorosos arbustos da caatinga nordestina, cuja adaptação à umidade amazônica ocorrerá sem problemas. 
Surgirão algumas pequenas dificuldades, naturalmente. Os índios, por exemplo. Eles irão protestar contra a invasão de suas matas pelas tropas e veículos militares e ameaçar  realizar passeatas, nus, no centro de Paris.  Incômodo de fácil solução. É só transferir as tribos para a caatinga nordestina, agora plena de água e fartura, e deslocar para o seu lugar, na selva, milhões de sertanejos. Como se vê, Sua Excelência é dotado de acurada estratégia. Trata-se apenas de uma questão de logística de transporte, evidentemente. 
Vale também, ao mesmo tempo, estimular a prática de esportes para que os jovens das populações removidas não sofram tantos impactos culturais. Hábitos amazonenses, como o surfe nas pororocas, continuarão a ser praticados em açudes adaptados, por ordem de Sua Excelência, no mais tórrido coração do semiárido. Enquanto isso vaquejadas serão corridas na Ilha do Marajó, com os cavalos substituídos por ágeis e dóceis búfalos selvagens. Integração social desse porte é, na avaliação de Sua Excelência, o verdadeiro Pacto Federativo.
No entanto, atente-se para os efeitos ambientais, do contrário eclodirão os devaneios de sempre das ONG`s, ameaçando com granadas de farinha orgânica. De fato, o desequilíbrio ambiental provocado pelo desmatamento pode lançar ondas de pragas de insetos sobre as cidades. Será a hora de Sua Excelência pôr em prática um genial plano secreto: importar do Sul das Filipinas abelhas treinadas para o ataque biológico a todo tipo de praga aérea, independente de seu gênero, raça, religião e filiação partidária. 
Com milhões de abelhas à solta, milhares delas sem recolher as taxas da Previdência Social, urgirá a criação, no quadro funcional da administração pública federal, do cargo de fiscal-de-abelha-africana-caçadora-de-pragas. Assim, Sua Excelência multiplicará, a passos largos, o mercado de trabalho, sem apelar para o seu plano B: publicar decreto obrigando que todos os desempregados passem a ser denominados de empregados, e vice-versa, solucionando, de uma só canetada, o mais grave desafio social do país. Um plano de evidentes efeitos positivos, que pode ser replicado na relação desequilibrada entre alfabetizados e analfabetizados.
Com decisões tão significativas, tomadas após profundas reflexões, comprova Sua Excelência como é fácil e gratificante resignificar e rediagramar a esperança e o patriotismo de um povo em um Estado democrático, mesmo com direitos em excesso. Uma diária e insone rotina que quase o impede de se debruçar sobre problemas essenciais para o futuro como cadeirinhas de bebês em automóveis; radares rodoviários; meninos de rosa e meninas de azul (ou será o contrário?); curso de fritura de hambúrguer para embaixadores; nepotismo de quarto grau com viés de alta e a Bolsa Bala, que entregará gratuitamente armas e munições para os mais carentes. Além da insidiosa infiltração de hordas vermelhas nos governos dos estados do Nordeste.
Só os que renegam os verdadeiros valores da nacionalidade se opõem às prementes resoluções de questões, como as elencadas acima. São os de sempre: os travestidos de melancia verde oliva, de melão amarelo e de jabuticaba azul petróleo. Não passarão, como não passariam nos Quatro Cantos de Olinda, em uma tarde fervente de Carnaval. 
Não duvidem da disciplina, da virilidade, da pertinência, do oportuníssimo amor aos seus e da brilhante inteligência de Sua Excelência. Quando não é proibido fazer, ele faz; quando é proibido, ele faz assim mesmo. Ok? Entendeu? 
Obs.: Este é um texto de ficção. Qualquer semelhança com fatos do passado, do presente e do futuro terá sido mera (?) coincidência.


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