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Reynaldo Fonseca

Jacques Ribemboim
Coautor do livro Boa Vista - Berço das Artes Plásticas Pernambucanas

Publicado em: 30/07/2019 03:00 Atualizado em: 30/07/2019 09:30

Ao final dos anos sessenta e por toda a década seguinte, a Galeria Ipanema, no Rio de Janeiro, deteve a exclusividade de sua obra. Comprava-lhe tudo o que conseguisse pintar e soube muito bem valorizar o artista. Dez dentre dez socialites cariocas desejavam adquirir um Reynaldo. Impensável, um chá entre amigas, sem exibi-lo na parede.

Os preços foram subindo. Mil dólares, quatro mil, quinze mil. Eu até tomei coragem, no ano de 2009, disputando um de seus famosos gatos pintados a óleo sobre tela no leilão da galeria Pallon, no Recife. Mas perdi-o para Emerson Leão, que havia sido goleiro da seleção brasileira e viera treinar o Sport. E lá se foram os dois, Felis catus e Felis leo, felizes, residir em São Paulo.

Há cerca de cinco anos, entrevistei o artista. Precisava de informações para o livro que eu escrevia com Wilton de Souza, Boa Vista – Berço das Artes Plásticas Pernambucanas, lançado em 2014. Ele me recebeu em casa, no Edifício Príncipe de Toscana, nome que me soou como em honra ao ilustre condômino.

Com idade avançada, o pintor apresentava restrições físicas. Já não conseguia subir sozinho a escada helicoidal para o segundo andar da cobertura, onde ficava seu ateliê. Mas no trabalho, continuava incansável, do alvorecer ao lusco-fusco.

Seus olhos brilharam quando falou da infância. Deu um pulo à estante e retirou o velho álbum onde guardava seu primeiro desenho, feito aos cinco anos. Em lápis de cor, uma criança de chapéu e roupa de inverno. Ali estava a sua preciosa lembrança de menino, a inocência, os sonhos, a mãe presente, incentivando-o a desenhar. Ali estava seu Rosebud.

Reynaldo de Aquino Fonseca nasceu no bairro da Boa Vista, em 1925. Ao que tudo indica, na Rua da Matriz (“não me lembro do nome, mas era perto da Maciel Pinheiro, uma rua que vem assim, pelo lado da igreja”). O pai perdeu o emprego na crise de 29 e todos foram morar com os avós. De lá, partiram para uma temporada em Campina Grande de onde voltariam dez anos depois.

Sobre o pintor, muitos o relacionam acertadamente à escola flamenga ou à renascentista. Poucos sabem, porém, que Reynaldo foi também um vanguardista, tendo estudado com Cândido Portinari e participado da Sociedade de Arte Moderna do Recife que, mais tarde, daria origem ao Atelier Coletivo – “Os loucos da Rua Soledade”, como noticiavam os jornais da época. Aquela geração do bairro da Boa Vista simplesmente plasmou a arte pernambucana do século 20, fê-la díspar e autóctone.

Em sua escrivaninha, um pesado tomo de Vermeer, seu mestre inspirador. Um espírito como o de Reynaldo não se manteria incólume aos grandes da Holanda. Nem aos renascentistas do quatrocento e do cinquecento: Hans Holbein, por exemplo, emprestou-lhe Edward VI as a child, como modelo para as tantas crianças que retratou (criancinhas nada ingênuas, de olhar enigmático, às vezes sinistro).

Reynaldo passou por muitos dos “ismos” do século 20 quando a maioria de nós sequer era nascida. Foi parnasiano e moderno a um só tempo, pintando também telas futuristas, abstratas e geométricas (bem menos conhecidas do público). Mas foi o seu pincel neoclássico-flamengo quem o inscreveu no panteão da arte brasileira. E por contraditório que seja, pernambucanissimamente.

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