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A morte nem sempre manda aviso

Raimundo Carrero
Jornalista e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 15/07/2019 03:00 Atualizado em: 15/07/2019 10:12

Éramos opostos, sempre opostos. Em tudo. Sobretudo em dois campos radicais: literatura e política, com um dado curioso: adolescente, fui seu paciente, quando ainda não definira sua especialização médica. Iniciando-se profissionalmente, mas a caminho da cardiologia, de que se tornou mestre, muito respeitado, dono de um saber profundo.

Meu personagem de hoje é Rostand Paraíso. Morto semana passada. Num fim de tarde de um dia que começou saudável na clínica médica, embora aposentado, mas sem chegar à noite. Fora um dia normal, comum,cercado de amigos e de familiares. Ainda que apresentasse questões de saúde e por isso mesmo recebendo asistência dos médicos que também eram seus alunos.

Chegara aos 86 anos mas se mantinha saudável, forte, elegante, sempre disposto. Um homem de seu tempo, mesmo quando se mantinha conservador. Muito conservador em política, que ia sempre de encontro aos meus princípios políticos, um homem de esquerda, como se costuma dizer de pessoas que procuram estabelecer vínculos com graves questões sociais e políticas que maltratam as gentes mais humildes, importunadas pela injustiça e, quase sempre, pela fome. Os humilhados e ofendidos, no dizer de Dostoievski, o grande russo.

Quando tentei entrar na Academia Pernambucana de Letras em 2008, o meu adversário foi Rostand Paraíso, num eleição radical, cheia de ataques e defesas. Mantivemos a cordialidade mesmo com a vitória massacrante dele: 32 a 8.Mas partiu dele o convite para próxima vaga, através de Mário Márcio de Almeida Santos. Desta vez fui eleito com 38 votos, até porque não tinha adversário. Essas coisas acontecem.

Minha campanha foi conduzida, em certo sentido, pelo próprio Rostand, mesmo porque ele evitou um candidato apressado. Socorreu-me em 2008 quando tive um enfarte e, novamente em 2010, quando me atacou um AVC isquêmico.

Voltamos a nos encontrar nesses dias recentes nas salas e nos corredores do Hospital Português, quando o coração me avisou, através do doutor Bento Ferreira, que tomasse cuidado. Estou tomando. Agora na ausência do amigo.

Encaminhou-me, ainda, a dois médicos exemplares: Ricardo Pontes de Miranda e Alberto Nicodemus. Tudo isso é muito bom, mas lembra que minha velhice não tem sido tão calma assim. De qualquer forma estou aqui, com os louvores da Academia, onde Rostand plantou raízes.

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