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SNIPER no Judiciário: inovação ou ameaça à Justiça?

Renata Berenguer
Advogada, professora, mestre e especialista em Direito e Processo do Trabalho Público e Privado

Publicado em: 13/02/2025 03:00 Atualizado em: 13/02/2025 05:51

A adoção de inteligência artificial pelo Judiciário brasileiro levanta debates sobre sua precisão, confiabilidade e impacto no devido processo legal. Entre essas inovações, o sistema SNIPER, desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tem sido amplamente utilizado para detectar possíveis vínculos societários e indícios de formação de grupos econômicos. No entanto, sua aplicação tem gerado preocupações relevantes.

O SNIPER opera por meio do cruzamento automatizado de dados públicos, sem qualquer análise qualitativa aprofundada. Como consequência, há frequentes associações indevidas de pessoas físicas a empresas sem gestão conjunta ou ligação econômica comprovada. Esse problema se agrava quando o sistema é utilizado como elemento decisivo para o reconhecimento de grupo econômico, violando os requisitos presentes nas legislações vigentes.

A jurisprudência, de maneira geral, tem reforçado que não se pode presumir a existência de grupo econômico ou qualquer outra relação jurídica apenas com base nas informações geradas pelo SNIPER. O sistema pode conter dados desatualizados ou inexatos, além de cometer equívocos decorrentes de homônimos, conforme reconhecido na própria apostila oficial do CNJ. Há casos em que indivíduos foram erroneamente vinculados a empresas que nunca integraram, o que evidencia a necessidade de um controle rigoroso sobre as informações fornecidas pela ferramenta. O SNIPER deve ser um indicativo, mas nunca uma prova com veracidade absoluta, devendo ser utilizado apenas como um elemento auxiliar na análise do caso concreto.

Outro desafio significativo é a compatibilização do uso da inteligência artificial com os princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal. Decisões judiciais embasadas exclusivamente em relatórios automatizados podem desconsiderar provas concretas presentes nos autos e inverter indevidamente o ônus da prova. Isso compromete a segurança jurídica e pode gerar graves prejuízos. Além disso, como se defender dos indícios do SNIPER sem saber exatamente quais elementos foram identificados? A ferramenta precisa ser aprimorada para permitir a ampla defesa, fornecendo informações detalhadas, como a apresentação de documentos que embasam a vinculação, a data e o motivo dessa associação. É fácil imaginar um cenário em que o sistema vincule alguém a determinada empresa devido a uma procuração com assinatura falsa. Para que a defesa seja efetiva, não basta acessar apenas o relatório do SNIPER; é essencial que os documentos e demais informações que sustentam a vinculação sejam disponibilizados nos autos do processo em análise.

No contexto processual, o artigo 492 do CPC determina que as decisões judiciais devem estar fundamentadas nas provas constantes dos autos, e não apenas em indícios gerados por um algoritmo. Além disso, o princípio da congruência exige que o juiz se limite ao pedido e às provas apresentadas, garantindo que a decisão seja coerente com o que foi efetivamente debatido no processo.

Portanto, a modernização do Judiciário por meio da inteligência artificial é um avanço inegável, mas seu uso exige cautela. O SNIPER, como ferramenta indicativa, pode ser um aliado na busca por eficiência, mas não pode substituir a necessidade de uma análise probatória rigorosa. A segurança jurídica e a justiça das decisões dependem, fundamentalmente, da observação dos princípios processuais e da responsabilidade na utilização dessas novas tecnologias.

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