Diario de Pernambuco
Busca
60 anos do Golpe Civil-militar no Brasil: ainda temos muito a refletir

Carlos André Silva de Moura
Professor Associado / Livre-docente da Universidade de Pernambuco. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq

Publicado em: 29/03/2024 03:00 Atualizado em: 29/03/2024 10:41

O dia 31 de março de 2024 marca os 60 anos do Golpe Civil-militar no Brasil (1964-1985), data que mergulhou o país em um dos momentos mais sombrios da nossa História Republicana. Com violações de direito de todas as ordens, ainda vivenciamos parte das consequências dos desdobramentos políticos que levaram os militares ao poder, com registro de assassinatos, desaparecimento de presos políticos, torturas, censura, aumento da dívida pública, inflação descontrolada e corrupção praticada por personagens que nunca foram punidos.

Após os condenáveis atos do dia 8 de janeiro de 2023, quando a Praça dos Três Poderes em Brasília foi palco da tentativa de um novo golpe, mais uma vez nos deparamos com a necessidade de refletir sobre a História, a memória e os silenciamentos relativos a 1964. Diferente do que foi recentemente defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, precisamos nos utilizar de todos os espaços da sociedade para debater sobre o fortalecimento da nossa jovem democracia. O silêncio proposto pelo chefe do Poder Executivo não manterá a dita governabilidade ao pacificará a relação do governo com os militares, mas apagará a oportunidade de apresentar às gerações mais jovens os horrores de um regime de repressão. Em uma democracia não há espaços para negações históricas, revisionismos ou tentativas de apagamento dos eventos que já foram intensamente trabalhados por pesquisadores de diferentes áreas.

Países como Alemanha, Itália, Argentina ou Chile tratam os seus eventos traumáticos, a exemplo do nazismo, do fascismo e das ditaduras, como temáticas dos conteúdos programáticos na Educação Básica. Museus e memoriais são explorados por docentes, com práticas que colaboram para a efetivação de uma política de memória, com o objetivo de compreender os traumas individuais e coletivos que fazem parte da História de cada lugar. Refletir sobre os 21 anos da ditadura no Brasil, assim como as suas consequências nas últimas décadas, não é apenas “falar sobre o passado”, mas se configura como um trabalho de fortalecimento das instituições democráticas.

Ainda existem feridas abertas, marcas mal cicatrizadas, torturadores tratados como heróis, que precisam ser responsabilizados por seus diversos crimes. Neste sentido, temos a necessidade de compreender que os debates em torno da data são fundamentais para que “não se esqueça” daqueles que tombaram para garantir os nossos direitos de liberdade e para que “nunca mais aconteça”, como os eventos que recentemente visualizamos em uma triste tarde de domingo de 2023.

As reflexões sobre os eventos históricos, especialmente acontecimentos traumáticos que marcaram uma geração, precisam ser enfrentados para que possamos expurgar os nossos fantasmas. Com os debates sobre a ditadura civil-militar, em um momento tão significativo, com recentes ameaças à democracia e as instituições, a ascensão da extrema direita e parte da instabilidade política, temos a oportunidades de caminhar para superar um passado que parece não passar. Relativizar os eventos e a memória sobre o período da repressão é afrontar a História. Negar a importância dos debates no tempo presente é, no mínimo, desonestidade intelectual. Mais do que nunca, precisamos lembrar as palavras de Ulysses Guimarães, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988), que em seu discurso na sessão de promulgação da Constituição de 1988 destacou: “[…] temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”. Que suas palavras sejam repetidas em cada canto do Brasil.

MAIS NOTÍCIAS DO CANAL