Uma tarde em Marktplatz, Heidelberg

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford
twitter: @RandsMauricio

Publicado em: 23/09/2019 08:58 Atualizado em: 23/09/2019 09:29

Qual a mais bonita? Oxford ou Heidelberg? Patrícia e Lauro me atacam quando lanço a dúvida.  Embevecidos com os encantos da visitada. ‘Você só duvida por causa do seu amor antigo por Oxford’. Ambas cidades acadêmicas, históricas, lindas. Ainda hoje cheias de estudantes e ‘scholars’ do mundo inteiro. Mais de 25 mil em Oxford; mais de 35 mil em Heidelberg. Que ambiente. Grandes intelectuais, cientistas, políticos e ativistas nelas buscaram os fundamentos para suas aventuras transformadoras. Revolucionárias para seu tempo, ideias e práticas. As duas vetustas senhoras são pioneiras no Ocidente. Oxford, de 1167. Logo depois de Bolonha (1088) e Paris (1150). Seguida por Cambridge (1209), Salamanca (1218), Pádua (1222) e Coimbra (1290). Heidelberg, só um pouquinho menos antiga (1386). Oxford, com seus gênios filosóficos, científicos, literários e políticos. David Hume, Adam Smith,, Thomas Hobbes, Thomas More, John Locke, T. S. Elliot, Oscar Wilde, Indira Ghandi, Tolkien e Lewis Carroll. Nada menos do que 53 de seus acadêmicos tendo conquistado o Prêmio Nobel. Entre os quais, Joseph Stiglitz, Amartya Sen, T S Eliot e Linus Pauling. Além de Malala Yousafzai que, depois de agraciada com o Nobel da Paz, foi duplamente premiada com a sua aceitação para nela seguir seus estudos. Heidelberg com seus não menos notáveis Hegel, Max Weber, Jaspers e Hannah Arendt. Tendo brindado a humanidade com 56 Prêmios Nobel a ela vinculados, entre eles Stefan W. Hell (Química, 2014) e Harald zur Hausen (Medicina, 2008).

A tarde começou de manhã. Dezenas de milhares de jovens e ativistas marchando pelas ruas de Heidelberg para terminar com os discursos em Marktplatz. Durante a manifestação pelo salvamento do planeta, como já ocorrera durante toda a semana anterior, tivemos o constrangimento de ouvir as críticas ao pouco caso do governo brasileiro com a destruição da floresta amazônica. Eles simplesmente não entendem como os brasileiros não conseguem impedir as queimadas propositais e o desmatamento. Terminado o ato pelo meio-ambiente, fomos ao Castelo de Heidelberg por um bondinho que passa pela mata e oferece uma vista linda da cidade antiga, sua ponte velha, suas igrejas e o majestoso rio Neccar. Voltando a Marktplatz, alegramo-nos com as mesas repostas onde de manhã estavam os manifestantes pró-meio-ambiente. Uma mulher descalça, solitária, toma uma mesa e desfruta o prazer do sol luminoso a uma temperatura de 16º C. Ao retirar-se, calça os sapatos, como quem sai de uma praia tropical. O ancião ao lado também curte o mesmo sol que torna ainda mais mágica uma paisagem que seria indescritível mesmo em sua ausência. As outras mesas ocupadas, ambos oferecem compartilhar as suas. Com um casal de orientais, o ancião. E com um grupo de mulheres, a moça descalça. Presentes todas as religiões e etnias. Orientais e Ocidentais. Cidadãos de ditaduras, democracias e outras nem tanto, nesses tempos de populismo. Todos compartilhando alegrias, embutindo desventuras. Mas, em comum, a tranquilidade, a serenidade. Conversam sem gritaria. Que ninguém ali parece confundir alegria com estridência. E aí, como tudo na vida é contraditório, lembro do que meu sogro, Dr. Ferreira, sempre nos dizia. O ruim do envelhecer é ver amigos e familiares partindo. Com quem não mais poderemos partilhar experiências, emoções e visões de mundo. Sorvendo a deliciosa cerveja caseira de Heidelberg, não pude deixar de lamentar as perdas recentíssimas de Almeri Bezerra de Melo, Fernando Coelho, Gilberto Marques e Cláudio Pinto. Com eles vai-se uma parte boa das nossas vidas, comunhão de valores e esperanças transformadoras. Eles certamente compartilhariam os mesmos sentimentos que experimentamos naquela tarde em MarktPlatz.

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