Centro do Recife
Galego, o comerciante que oferece bancos e sombra aos passageiros de ônibus da Praça do Diario
Por: Marcionila Teixeira
Publicado em: 10/12/2019 13:49
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Foto: Leandro de Santana/esp.DP |
Na Praça do Diario, como é mais conhecida a Praça da Independência, no bairro de Santo Antônio, no Recife, Otacílio da Silva Lemos, 48 anos, o Galego, tem um costume bonito. Espalha bancos de plástico coloridos no entorno de seu fiteiro. Estão sempre na sombra. Todos os dias, há seis anos. Qualquer pessoa pode sentar nos bancos. Não precisa ser cliente. Naquele trecho do centro, até os ouvidos o comerciante empresta a quem passa. Escuta as dores dos estranhos que aceitam o convite para descansar.
"Se você chega aqui e descobre que o ônibus acabou de passar, ofereço logo um banco. O ônibus demora muito. O governo só dá atenção para o Recife Antigo. Desse lado da ponte (a Maurício de Nassau), a gente é como a favela, que ninguém liga", compara Galego, se referindo ao bairro do centro frequentado por ambulantes e outros trabalhadores, moradores da periferia, prostitutas e pessoas em situação de rua.
No fiteiro, o comerciante improvisou uma caixinha de Natal em uma caixa de papelão decorada. O trocado entregue pelos clientes, diz ele, também servirá para comprar novos bancos. O aviso até estampa a caixa. “Aqui tem uma onça”, brincou, se referindo a uma nota de R$ 50 entregue por uma conhecida.
Dia desses, Dalva, 56 anos, chegou apreensiva à parada de ônibus onde fica o fiteiro de Galego. Estava com o neto internado na UTI. Sentou e começou a contar sua história para o comerciante. De pronto, recebeu água e uma escuta atenta. Logo, acalmou-se. O neto, diz Dalva, está melhor. “Naquele dia, ele foi uma pessoa muito gentil para mim”, lembrou.
“Quer uma água, quer uma pipoca?”, pergunta Galego a quem está sentado à espera do ônibus. “Um dia a pessoa não quer, no outro quer, e a gente vai levando”, explica. Àquela altura, a caixa de som de Otacílio toca músicas de reggae compostas pelo cantor baiano Édson Gomes, sucesso na década de 1990. Compete com o som de um protestante solitário que todos os dias lê trechos da Bíblia e canta hinos para a diversidade de habitantes da praça. Vez por outra alguém reclama do som alto e a polícia convida o homem vestido com paletó a sair da praça. Galego permanece com seu reggae.
Galego não gosta do serviço de transporte coletivo. Além do ônibus demorar muito para chegar à parada, diz ele, a tarifa custa caro para o passageiro viajar em pé. Foi o que aconteceu com ele há dois anos. “Entrei pela porta da frente e não tinha mais cadeira para sentar. Enquanto isso, um monte de gente subiu por trás e sentou. Desde esse dia, venho de bicicleta”, lembrou. Galego mora em Águas Compridas, na periferia de Olinda. Nesta terça-feira (10), chegou cansado ao posto de trabalho. Já era perto das 9 horas. “Tô ficando velho, cansado. Vou comprar uma cinquentinha”, anunciou. A bicicleta com motor adquirida em uma loja do centro somente durou quatro meses. Quebrou. Anda encostada.
Hoje ele também me falou de um banco menor, direcionado a crianças e a pessoas com baixa estatura. “Senão a pessoa não consegue descer do banco alto." Galego tem em si um espírito empreendedor para negócios, é verdade. Mas é sua gentileza que muda pequenos mundos. Todos os dias.
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