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Caranguejo Tabaiares e a luta por regularização fundiária e moradia digna

Publicado em: 12/08/2019 06:30 | Atualizado em: 12/08/2019 17:06

Foto: Jonathan Lima/Coque (R)existe.
O processo de urbanização e expansão da malha viária do Recife continua sendo feito aos moldes das décadas de 1980 e 1990, desacompanhados de políticas habitacionais sustentáveis e de longo prazo para as populações mais vulneráveis. Não diferente poderia ser com os moradores da comunidade Caranguejo Tabaiares, localizada na Ilha do Retiro, Zona Oeste do Recife. No último dia 24 de julho, o Decreto municipal 32.680 autorizou a desapropriação, por utilidade pública, de 70 famílias que moram nas margens do Canal do Prado. Segundo a Prefeitura do Recife, a remoção das pessoas é necessária para viabilizar um projeto de revitalização do Canal do Prado, que já é revestido. Entre os serviços previstos, está a construção de duas pistas laterais ao curso d’água. 

Para especialistas na área de urbanismo, a abertura de vias na beira de rios e riachos ocupadas pela população sem moradia adequada é uma estratégia comum no Recife para evitar que as pessoas reocupem as margens. Situação semelhante ocorreu no Canal do Jordão, com a construção da Avenida Dom João VI, em Boa Viagem, Zona Sul do Recife. Atualmente, cerca de 14 mil pessoas vivem na comunidade Caranguejo Tabaiares.

Apesar do decreto de desocupação ser recente, a luta dos moradores por moradia digna é antiga. Pelo menos desde 2008, há a promessa de construção de um habitacional em uma área contígua à comunidade que é classificada como Zona Especial de Interesse Social (Zeis). O terreno em questão é o da antiga fábrica de pré-moldados de ferro Fermentaço, desativada há mais de 20 anos, que possui 1,6 hectares de dimensão, sendo 73% dessa área pertencente à União e os outros 27% de um grupo de empresários do setor de saúde. 

O arquiteto e urbanista Luan Melo explica que atualmente o terreno da Fermentaço está sendo questionado na Justiça quanto aos seus limites: o que é da União e o que seria do grupo de médicos. “Essa disputa também tem inviabilizado que os recursos do Governo Federal, do programa Minha Casa Minha Vida, seja liberado pela Caixa Econômica. Para o banco, só é possível liberar a verba com a titularidade efetivada. Por isso é importante que o prefeito Geraldo Julio diga que o terreno é de interesse da comunidade e que a prefeitura vai priorizar a construção do habitacional. 

O medo da população é de que, com as remoções, as famílias sejam retiradas de suas casas sem a real garantia de viver em habitacionais dentro da área onde já possuem uma vida orgânica. As pessoas denunciam também que a indenização proposta pela Prefeitura do Recife é irrisória. “Esse valor da indenização é referente apenas às benfeitorias realizadas nos imóveis, sem considerar os direitos de posse e propriedade das famílias de Caranguejo Tabaiares”, afirma o advogado do Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH), que está à frente do caso, Stélio Cavalcanti. 

Segundo ele, na semana passada, a Associação Comunitária Caranguejo Tabaiares Resiste protocolou uma notificação extrajudicial junto à prefeitura para que suspenda as remoções, já que em junho deste ano foi feito pedido oficial de regularização fundiária do terreno e o processo ainda não foi concluído. “O pedido em si impede qualquer remoção na área, conforme a Lei Federal 13.465/2017, que trata sobre a regularização fundiária rural e urbana”, coloca Stélio. 

Além disso, por se tratar de uma área de Zeis, qualquer obra de infraestrutura deve estar integrada a um plano urbanístico, que chegou a ser elaborado em 2008. “Esse plano incluía abertura de outras vias, equipamentos públicos e a construção de apartamentos nesse terrenos vazio ao lado da Zeis”, acrescenta o advogado. É uma prerrogativa da lei que regulamenta às zeis, chamada de Prezeis, que áreas localizadas ao lado de zonas de interesse social que não cumprem sua função social sejam incorporadas às zeis para a construção de equipamentos comunitários.
Foto: Jonathan Lima/Coque (R)existe.

Na semana passada, os moradores realizaram diversos protestos contra as desapropriações e cobrando a construção dos habitacionais. “Vamos continuar na luta por moradia digna. A prefeitura não pode apresentar uma nova proposta sem cumprir o que eles tinham prometido antes. A garantia da moradia das pessoas tem que ser respeitada. Isso é emergencial para as famílias. De promessas estamos cheios”, alerta um dos moradores da comunidade, Reginaldo Pereira, que é coordenador da Biblioteca Comunitária de Caranguejo Tabaiares.

A Prefeitura do Recife informou que o prefeito Geraldo Julio encaminhou recentemente para a Câmara de Vereadores do município um projeto de lei que trata da alteração dos limites da Zeis para a regulamentação do terreno da antiga Fermentaço na construção dos habitacionais. “A proposta é incorporar ao perímetro as ocupações espontâneas e consolidadas, contíguas à Zeis e incluir o terreno vazio, destinado à construção de unidades habitacionais de interesse social, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). A aprovação do projeto garantirá que a área em questão só será utilizada com a finalidade de construção de moradia de interesse social em benefício da própria comunidade”, disse a Autarquia de Urbanização (URB).
  
CANAL DO PRADO
Ainda segundo a URB, o projeto de revitalização do Canal do Prado consiste, na construção de vias marginais ao curso d’água, no trecho entre a Estrada dos Remédios até a foz na Ilha do Zeca, onde existe a Vila Canal. Contempla ainda serviços de drenagem, pavimentação, construção de calçadas, iluminação pública e paisagismo das vias que vão margear o canal. O investimento será de R$ 1,6 milhão. 
Foto: Jonathan Lima/Coque (R)existe.

Para viabilizar as obras, a URB diz que é necessária a retirada de habitações precárias que ocupam a área do canal. Segundo o órgão municipal, até agora 32 famílias foram realocadas para novas moradias no Habitacional Casarão do Barbalho, no bairro da Iputinga, Zona Oeste do Recife. “Mais duas famílias estão aguardando o processo de mudança para o Casarão do Barbalho e outros três imóveis serão retirados mediante pagamento de indenização, com valores que variam de acordo com a área, finalidade e material de construção de cada um. A URB negocia ainda a remoção de cerca de 40 imóveis para que seja possível o início das obras na área”, informa a autarquia.
 
PARCERIA NA SUA CASA
Além da revitalização do Canal do Prado, na semana passada, a Secretaria de Habitação do Recife apresentou aos moradores da comunidade Caranguejo Tabaiares um outro projeto, o “Parceria na Sua Casa”, que faz parte do Programa Chegando Junto, e terá como área piloto a comunidade. A ideia é oferecer apoio técnico e financeiro, para pequenas reformas de até R$ 5 mil, a 50 famílias de Caranguejo Tabaiares para a realização de serviços, como reparos nos telhados, banheiro, cozinha, reboco e piso das casas. A execução das reformas deve ser feita pelos próprios moradores. 
Foto: Jonathan Lima/Coque (R)existe.

Com as desapropriações acontecendo e a regularização fundiária ainda sem definição, a população de Caranguejo Tabaiares entendeu que a proposta é um ultraje à comunidade, “que vive um de seus maiores conflitos fundiários”. “A ação Parceria na Sua Casa injeta dinheiro público em políticas sociais sem um planejamento prévio, que vise de fato combater as desigualdades sociais na nossa cidade. É uma maquiagem ou uma chantagem, pois não visa mudanças estruturais na comunidade”, opinou uma das moradoras de Caranguejo Tabaiares, Sarah Marques.

Em nota, a Prefeitura do Recife disse que o programa Chegando Junto abarca uma série de projetos, com ações divididas entre as áreas de assistência à população e apoio à geração de renda. “Informamos ainda que a escolha da comunidade Caranguejo Tabaiares foi deliberada em plenária no Fórum do Prezeis. E que o Parceria na Sua Casa é baseado na Lei Nº 18.189/2015. Ambos projetos estão sendo discutidos abertamente com os moradores. O que a gestão está fazendo é melhorar as condições de vida dessas famílias”, disse em nota a Secretaria de Habitação do Recife. 

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