Violência Mulheres se 'armam' com spray de pimenta Isoladamente ou em grupos, elas compram o lacrimogênio como instrumento de defesa "rápida e não letal", mas reconhecem que se trata apenas de um paliativo

Publicado em: 13/09/2016 20:00 Atualizado em: 13/09/2016 20:09

Uso do spray vem aumentando na medida em que crescem os casos de estupro e violência contra as mulheres, que acabam lançando mão de estratégias para garantir a própria segurança. Foto: Reprodução/Internet
Uso do spray vem aumentando na medida em que crescem os casos de estupro e violência contra as mulheres, que acabam lançando mão de estratégias para garantir a própria segurança. Foto: Reprodução/Internet
 
A assessora de imprensa Fernanda Melo, 32 anos, é moradora da Zona Norte do Recife, onde dois casos de estupro foram registrados no último mês. Mãe de duas filhas e com medo da violência, que agora parece estar mais próxima, encomendou um spray de pimenta para autodefesa. E ela não é a única. Desde os episódios que instalaram um clima de tensão na cidade, cresceu o número de mulheres que têm apostado no lacrimogêneo como ferramenta para a segurança individual.
 
Fernanda, que pagou R$ 100 pelo spray que deve chegar às suas mãos nos próximos dias, conta que já se incomodava com o assédio em locais públicos, mas ficou assustada depois dos crimes registrados no Recife. “Assédio é uma coisa que todas as mulheres passam, diariamente. Mas como ando com minhas filhas, de 13 e 10 anos, fiquei muito assustada com esses casos. Aconteceu tudo perto de onde a gente vive, escola, farmácia, restaurante, estamos sempre por ali”, relatou a jornalista, que vê no spray a possibilidade de uma defesa rápida e não letal. Para ela, no entanto, o instrumento é só um “paliativo”, que não resolve o problema de violência real enfrentado no Recife. 

É o mesmo que acredita a caruaruense Conceição Ricarte, 33. Há um ano ela anda com um spray na bolsa – e chegou a usá-lo uma vez – mas diz que não se sente mais segura assim. “Sei que não estou mais segura com o spray, mas vi que ele faz efeito e pode ajudar, sim. Uma vez um flanelinha veio me abordar e eu não quis dar dinheiro. Ele insistiu e começou a puxar minha bolsa, mas deu tempo de pegar o spray e disparar. Consegui sair com o carro”, relata, sem ter certeza se, num caso de assédio sexual, ela teria a mesma atitude. “Sinceramente, não sei se numa situação dessas a pessoa tem a frieza de pegar e aplicar”, reflete.
 
Estupros registrados recentemente no Recife incentivaram a compra coletiva de sprays: "O sentimento de impunidade faz parecer que se pode fazer tudo e ficar por isso mesmo", reclama  Juliana Albuquerque. Foto: Cortesia
Estupros registrados recentemente no Recife incentivaram a compra coletiva de sprays: "O sentimento de impunidade faz parecer que se pode fazer tudo e ficar por isso mesmo", reclama Juliana Albuquerque. Foto: Cortesia

Já para a bibliotecária Juliana Albuquerque, 29, foram os estupros do último mês que a incentivaram a entrar, junto com um grupo de mulheres, numa compra coletiva de sprays, além de começar aulas de artes marciais. “Esse sentimento de impunidade faz parecer que se pode fazer tudo e ficar por isso mesmo. Esses dias, no Derby, uma mulher foi agredida porque rejeitou uma cantada. É assustador”, reclama a moradora de Olinda, que reflete também sobre a repercussão dos casos. “Esses relatos deixaram o problema muito mais perto da gente, mais evidentes, a gente tem como gritar e vão ouvir”, aponta, comparando a realidade das mulheres e meninas que vivem nas periferias. 

Para Juliana, é necessário reforço no policiamento, mas não só isso. “Diante disso a gente pensa o quanto é importante discutir gênero nas escolas. Se não for através da educação, daqui a 15 anos uma filha minha vai estar relatando a mesma situação. É preciso discutir na escola, com educadores preparados para esse debate”, opina. Considerado não letal, o spray de pimenta ainda não é regularizado e, por tanto, não há restrições ao seu uso no Brasil. 

Spray de pimenta ainda não é regularizado e, por tanto, não há restrições ao seu uso no Brasil. Foto: Cortesia  

. Foto: Conceição Ricarte/Cortesia
Spray de pimenta ainda não é regularizado e, por tanto, não há restrições ao seu uso no Brasil. Foto: Cortesia . Foto: Conceição Ricarte/Cortesia
Entrevista com a educadora Analba Brazão Teixeira, do SOS Corpo 

"A verdade é que todos os lugares são inseguros para as mulheres"

Como a senhora vê esse aumento da procura de mulheres por esses sprays?

Entendo que são estratégias individuais diante de um estado que não está dando a cobertura necessária. Há 10 anos alguns grupos que trabalhavam com defesa pessoal eram populares e agora estão retomando. Isso porque o número de casos de estupro e violência contra a mulher tem crescido, então crescem também as estratégias para garantir a própria segurança. 

Elas resolvem ou são paliativas? 

Completamente paliativas. Pode resolver a questão daquela mulher, naquele momento, mas não resolve o problema da mulher em geral. 

O spray é uma boa ferramenta?

A gente sabe que os estupros não acontecem só na rua, mas também nas casas, na igreja, no trabalho, dentro da universidade e são cometidos por pessoas conhecidas. A mulher tem que estar segura nesses espaços também, em todos eles. 

Parte da sociedade e, muitas vezes, a própria polícia estabelece dicas, comportamentos que as mulheres devem evitar (como horários, roupas ou comportamentos) para prevenir casos de violência. Como a senhora enxerga isso?

Parece que as mulheres não têm o direito de ir e vir. Esses discursos só culpabilizam novamente a mulher. Nós queremos poder beber, usar a roupa que a gente quiser, ir para um bar sozinha, nos deslocarmos com tranquilidade. E cada vez que você manda uma mulher evitar isso ou aquilo, culpabiliza ela. Nossa luta nas delegacias das mulheres é exatamente essa. Porque quando elas chegavam e chegam as primeiras perguntas ainda são 'Estava onde? Bebeu? Estava com que roupa?”. Mas a verdade é que todos os lugares são inseguros para as mulheres. 



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