Psicologia Pais devem ficar alerta com o efeito do Pokémon Go na ansiedade das crianças "Mais uma vez a revolução tecnológica está coisificando e se apropriando do desejo infantil, à revelia da fantasia", afirma o psicólogo Carlos Brito

Por: Patrícia Fonseca - Diario de Pernambuco

Publicado em: 05/08/2016 14:05 Atualizado em: 05/08/2016 14:18

A tecnologia pode deixar as crianças mais ansiosas que o limite do saudável. Foto: Ricardo Fernandes/DP
A tecnologia pode deixar as crianças mais ansiosas que o limite do saudável. Foto: Ricardo Fernandes/DP

"Preocupado. Muito preocupado", assim se mostra o psicólogo e professor do curso de piscologia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Carlos Brito diante da chegada do jogo Pokémon Go no Recife. A febre atinge pessoas de todas as idades, inclusive crianças, que estão em uma corrida desenfreada pelos personagens nas ruas aumentando, ainda mais, o tempo de exposição aos aplicativos e à tecnologia.

"Mais uma vez a revolução tecnológica está coisificando e se apropriando do desejo infantil, à revelia da fantasia infantil. Não é mais a criança que 'decide' ou não capturar bichinhos. É induzida de forma fugaz. Tem que ter! Tem que baixar o aplicativo! Tem que ser agora! Há um grande outro, um big brother que disse que ser feliz é sair fisgando bichinhos para engordar os milionários da tecnologia", denuncia o profissional, que tem estudado os efeitos dos jogos eletrônicos no pensamento infantil. A experiência de caça aos monstros ou a sua proibição já foi levada ao consultório por alguns de seus clientes, na faixa de oito, dez anos de idade. "Eles ficaram abismados porque eu não tinha o jogo em meu smartphone e com raiva dos pais porque não querem permitir", acrescentou.

Também preocupadas com a brincadeira virtual, alguns colégios do Recife, como o Agnes, chegaram a proibir a caça ao Pokémon dentro das instituições. Para Carlos Brito, o excesso de exposição pode contribuir para interferir na questão de comportamento, na ansiedade e nos diagnósticos cada vez mais comuns de hiperatividade e déficit de atenção. "Pesquisas que venho fazendo mostram o lado positivo da tecnologia em trabalhar o raciocínio lógico, numa nova forma de narrativa contemporânea. Mas que vem contribuindo muito e acelerando o nível de pensamento da criança. Os jogos atingem diretamente a questão neurológica da criança, acelerando as sinapses nervosas e, se isso se não for bem conduzido, pode gerar ansiedade", aponta.

Ansiosa por excelência, a criança tem encontrado no mundo atual um cenário em que impera o imediatismo e parâmetros pouco saudáveis a seguir. Aliando-se a fatores como a cobrança social, a ansiedade encontra terreno fértil para deixar de ser uma resposta natural de defesa do organismo, uma reação momentânea, para virar um estado de ser no mundo da criança, tornando-se prejudicial.

Para o psicólogo Carlos Brito, o excesso de exposição pode contribuir para interferir na questão de comportamento. Foto: Arquivo pessoal
Para o psicólogo Carlos Brito, o excesso de exposição pode contribuir para interferir na questão de comportamento. Foto: Arquivo pessoal
"O mundo que ela vive é assim. É o modelo que ela tem: o gozo pleno, a satisfação imediata nas necessidades. A ansiedade, que seria natural, passa a ser algo preocupante, vai na frente, impedindo que ela compreenda a situação. Tudo no ser humano é tênue, é do humano, é natural. O que passa a ser preocupante, entre o normal e o patológico, é a intensidade. Como a criança pequena ainda não tem emocionalmente uma maneira de controlar essa aceleração, principalmente neurológica, tem dificuldade de adiar a resolução do desejo. Ela vai querer sempre mais e não tem esse controle. Se nós adultos temos dificuldade de desgrudar de um WhatsApp, imagine uma criança que ainda não tem, do ponto de vista emocional e cognitivo, esse limite".

Para o psicólogo, é alarmante quando essa ansiedade exagerada toma o corpo, a verbalização, o emocional, a fala, e passa a influenciar a vida da criança, que apresenta uma dificuldade real em aguardar a resolução de uma situação. "A ansieade, que num primeiro momento acomete o emocional, começa a se apropriar da esfera geral e você começa a ver reações de crianças mais ativas, agitadas. Com quatro, cinco, seis anos, muitas vezes vem o diagnóstico de hiperatividade, déficit de atenção", aponta. "Crianças pequenas devem ser expostas o menor número de horas possível aos games. É preciso ver onde isso está substituindo o diálogo da família", sugere.

O diálogo, mais uma vez, é apontado como chave da questão, questionando, informando, ensinando, educando. O limite, para Brito, deve ser construído junto à família, com acordos feitos no dia a dia. Mas, para o psicólogo, ajuda muito a forma como tudo é dito à criança: "Os pais, por viverem também em um mundo de pressa, muitas vezes não dão respostas capazes de satisfazer essa ansiedade. É preciso falar de uma maneira que tenha mais a ver com o universo infantil, deixar mais claro, exemplificando: "Já expliquei, vai ter que dormir dois dias', 'vai ser no dia em que a gente não estuda nem trabalha'". Um exercício diário, mas com efeitos urgentes e de longa duração.



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