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Saúde Canabidiol é arma poderosa à luta do pequeno Maycon Primeiro pernambucano autorizado a receber do estado a medicação derivada da cannabis sativa, garoto completa ciclo inicial do tratamento reduzindo drasticamente número de crises

Por: Maira Baracho - Diario de Pernambuco

Publicado em: 29/06/2015 15:06 Atualizado em: 29/06/2015 19:06

Maycon e a mãe Silvia, que comemora a resposta do garoto ao tratamento e aguarda com ansiedade a nova fase da terapia. Foto: Paulo Paiva/DP/ D.A.Press
Maycon e a mãe Silvia, que comemora a resposta do garoto ao tratamento e aguarda com ansiedade a nova fase da terapia. Foto: Paulo Paiva/DP/ D.A.Press
Há três meses, Maycon Cavalcanti de Alcântara, 5 anos, enfrentava 200 crises convulsivas por mês. Eram, em média, sete todos os dias. Portador de epilepsia refratária de difícil controle, Maycon não aprendeu a andar e também não desenvolveu a fala. Para ele, atividades simples como ficar em pé, pegar um lápis com as mãos ou interagir com seus pais pareciam um sonho distante até o dia 21 de março, quando recebeu do Sistema Único de Saúde (SUS) as primeiras doses do canabidiol (CBD), composto derivado da maconha.

Nos primeiros 30 dias usando o CBD, Maycon – que foi o primeiro pernambucano a receber a medicação do estado - reduziu em 50% o número de crises. Nos 60 dias seguintes, as convulsões praticamente zeraram e ele chegou a ficar 15 dias sem nenhuma crise. O fim dos 90 dias encerra o ciclo inicial do tratamento e, apesar de ainda ser o começo, enchem de esperança quem convive com a criança. "Meu filho vivia sonolento, não tinha ânimo. Hoje coloco ele no balanço e ele se balança sozinho. Isso já é uma vitória", comemora Silvia Cavalcanti, que se diz entusiasmada com a nova terapia.

Com a diminuição do número de crises convulsivas, Maycon já começa a apresentar ganhos, ainda tímidos, no desenvolvimento cognitivo. Para a professora Edivânia Martins, que o acompanha desde o ano passado na Escola Municipal Chico Mendes, em Areias, os primeiros meses de tratamento foram surpreendentes. “Maycon tinha um comportamento estático. Ele não reagia, não conhecia ninguém. Hoje ele reconhece as pessoas, participa das atividades em grupo. Tem momentos que ele não quer fazer tarefa alguma e joga o lápis fora, como qualquer criança dessa idade”, conta. "De março até aqui ele teve uma grande melhora. Se eu deixar ele de costas para os amigos, na cadeira de rodas, ele fica forçando para se virar, querendo conversar com os colegas”, completa Luana Lins, estudante de pedagogia e estagiária que acompanha Maycon diariamente na escola.

O médico acupunturista Pedro Costa, que acompanha Maycon, classifica como "satisfatória" a evolução do tratamento. "Nos primeiros 30 dias ele reduziu quase 50% o número de crises. Isso traz consequências importantes, sobretudo na questão do tônus muscular. Hoje ele consegue se manter em pé com a ajuda da mãe, coisa que ele não fazia antes", pontua o médico, que destaca ainda a importância da redução das crises para o desenvolvimento cognitivo. "A gente tem percebido que não só Maycon mas outros pacientes, quando reduzem o número de crises, melhoram o quadro cognitivo, assim como a interação com o meio. Hoje, quando os pais de Maycon saem para trabalhar, por exemplo, ele já se manifesta emocionalmente, faz gestos, mostra uma personalidade", avalia.

O médico acupunturista Pedro Costa diz que redução no número de crises traz ganhos ao tônus muscular. Foto: Paulo Paiva/DP/ D.A.Press
O médico acupunturista Pedro Costa diz que redução no número de crises traz ganhos ao tônus muscular. Foto: Paulo Paiva/DP/ D.A.Press
Apesar dos ganhos, Costa diz que o tratamento não alimenta a esperança de Maycon alcançar o desenvolvimento normal ao de uma criança de sua idade. "Já existe um dano cerebral, até pela quantidade de crises e pela história natural da doença, mas a gente espera que ele atinja o máximo da normalidade de uma criança, com qualidade de vida", explica o acupunturista, que afirma, ainda, que a resposta ao tratamento é muito individualizada e que, portanto, não é possível ter a certeza do desfecho no caso de Maycon. "A gente avalia uma criança não só pelo número de crises, mas pela linguagem, pelo desenvolvimento psicomotor e outros valores que têm relação com o desenvolvimento normal", reforça Costa.

Para Silvia, mãe de Maycon, a expectativa agora é pela retirada de alguns dos três medicamentos convencionais que o filho ainda usa, próxima etapa do tratamento. "Percebo o quanto os remédios deixam Maycon sonolento, cansado. Estou esperando muito pelo desmame dos outros medicamentos, acho que vai ser uma mudança grande na vida dele".

Tratamento ainda é restrito
Desde dezembro do ano passado, o Conselho Federal de Medicina libera a prescrição do canabidiol no Brasil. A liberação, no entanto, é destinada apenas a menores de 18 anos portadores de epilepsia e convulsões que já tenham tentado e não tenham conseguido resposta satisfatória com outros medicamentos. A decisão facilitou o acesso à medicação a um grupo específico, mas ainda não democratizou o tratamento no Brasil.

Liberação do Canabidiol é destinada apenas a menores de 18 anos portadores de epilepsia e convulsões. Foto: Paulo Paiva/DP/ D.A.Press
Liberação do Canabidiol é destinada apenas a menores de 18 anos portadores de epilepsia e convulsões. Foto: Paulo Paiva/DP/ D.A.Press
"A evolução de Maycon nesse pouco tempo já mostra a eficácia, segurança e eficiência do CBD no tratamento de epilepsia de difícil controle", defende Pedro Costa, que também é membro da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (Amame), da Associação Multidisciplinar de Estudos sobre Maconha Medicinal (Amemm) e da Associação Brasileira para Cannabis (Abracannabis).

Estamos realizando um estudo observacional e já sabemos que somente 21% das pessoas reduziram 50% das crises usando algum dos cinco anticonvulsivantes mais usados no país, enquanto o canabidiol já alcançou quase 80% dos pacientes", aponta o médico, que também explica que uma das principais vantagens do CBD está nos efeitos colaterais. "Com o desmame a gente traz mais qualidade de vida para o paciente, que enfrenta problemas não só pela história da doença, mas pelos efeitos colaterais. No CBD, dependendo do caso, esses efeitos também são bem-vindos", afirma.

"Tomo rivotril e tegretol. Adoraria experimentar o tratamento com o CBD", afirma a advogada Vanessa Arruda, que sofre de epilepsia refratária de difícil controle. Foto: Álbum de família
"Tomo rivotril e tegretol. Adoraria experimentar o tratamento com o CBD", afirma a advogada Vanessa Arruda, que sofre de epilepsia refratária de difícil controle. Foto: Álbum de família
Suor frios nas mãos, sonolência e uma sensação de "cabeça leve" são os efeitos colaterais enfrentados diariamente por Vanessa Arruda, 26 anos. A advogada pernambucana também é portadora de epilepsia refratária de difícil controle, mas está fora da faixa etária contemplada pela decisão do CFM. Tratada desde os 12 anos com diferentes medicamentos controlados, nunca conseguiu zerar as crises que, atualmente, acontecem em média duas a três vezes por semana mesmo tomando os medicamentos. "Tenho crises convulsivas de ausência, não posso dirigir, sair de casa é um risco e quando a crise acontece fico 15 , 20 minutos fora do ar", conta.

Atualmente tomo rivotril e tegretol. Adoraria experimentar o tratamento com o CBD, tanto por se tratar de uma substância natural, quanto pelos diversos casos em que vem controlando as descargas elétricas excessivas que causam as crises", conta Vanessa que teve acesso ao CBD artesanal, mas não quer fazer o uso sem o acompanhamento de um médico.

Pela legislação atual, Vanessa poderia solicitar a importação do composto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os custos, no entanto, ficaram em torno de R$ 9 mil, o que inviabiliza o acesso da advogada. "Minha luta é pelo acesso maior ao CBD, seja através do fornecimento pelo estado, seja através da regulamentação para que um laboratório nacional possa fornecer num preço mais viável", propõe.

Terapias promovem a inclusão
Para Pedro Costa, assim como acredita Vanessa, cultivar e produzir a maconha medicinal no Brasil é o caminho para democratizar o acesso não só ao CBD, mas aos benefícios terapêuticos da maconha. "A gente entende que o cultivo, sob um controle de qualidade - que já existem pessoas capacitadas para fazer no Brasil - nos dá uma segurança em cima dos produtos importados. Temos um medicamento que tem um efeito colateral menor com respostas positivas ao tratamento. Quando a gente conseguir regular toda situação, teremos um medicamento mais barato para o estado fornecer. E é preciso que o estado chame essa responsabilidade para si", diz.

Em Pernambuco, o Coletivo Antiproibicionista defende que a discussão seja ampliada. "Além do canabidiol, a cannabis possui outros componentes, como o THC, que também possui propriedades terapêuticas para o controle de diversas doenças, como dor neuropática, esclerose múltipla, síndrome de Parkinson, entre outras", explica Ingrid Farias, membro do coletivo. "A reclassificação do Canabidiol pela Anvisa completou três meses e até o momento não facilitou o acesso das famílias que necessitam manter o tratamento com o medicamento", critica o coletivo, que defende a regulamentação da planta. "Além de sanar outros problemas diretamente ligados a proibição, como o genocídio da juventude negra e pobre nas periferias, que não morrem em detrimento de doenças patológicas, mas morrem pelo conservadorismo e segregação social."

Foto: Arte/DP/D.A Press
Foto: Arte/DP/D.A Press



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