OPINIÃO Daniella Brito Alves: Um segundo olhar Daniella Brito Alves é jornalista, mestra em sociologia e professora da Uninassau

Publicado em: 28/07/2017 08:15 Atualizado em: 28/07/2017 08:16

Falar sobre o papel das redes sociais na formulação da agenda pública brasileira soa quase como assunto velho. É inegável como esse novo contexto nos afeta e direciona nosso cotidiano muito além do virtual. Um dos críticos mais vorazes do papel e consequências destas novas formas de produção e propagação das informações por meio da tecnologia, o italiano Umberto Eco já chegou a afirmar que “as redes sociais dão o direito à palavra a uma legião de imbecis que antes falavam apenas em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”.

Agora as redes sociais são fonte e palco de notícias, muitas vezes falsas, ou em outros momentos, cenário de ódio e preconceito amplificado.  Nas últimas semanas, dois casos locais ilustram bem essa situação. O primeiro deles foi um comunicado falso com uso até de papel timbrado da Paróquia de Casa Forte, com a notícia inverídica da morte de padre Edvaldo Gomes, muito conhecido no Recife. Mentira que se propagou como fogos de São João, imediatamente repassada como verdade.

No mesmo dia, um vídeo do ator Fábio Assunção sendo preso em Arcoverde circulou nas redes sociais e ganhou repercussão em diversos veículos de imprensa. Foi alvo, para muitos, de deboche e manifestação de ódio. O que antes estava apenas restrito ao disse me disse e a julgamento de valores e muitas vezes maledicência agora se amplifica. No virtual, sem os embates pessoais, muitos são juízes, outros porta-vozes da intolerância.

Exemplos desta forma de utilização de informações afetam a vida das pessoas e provocam mudanças já há muito sentidas na prática do jornalismo.  Se antes, como já citava McCombs e Shaw, na Teoria do Agendamento, a opinião pública recebia uma forte influência da mídia que chegava, em muitas situações a pautar o que deve ou não ser noticiado, exercendo um forte e decisivo papel nos temas da agenda pública, o que pensar hoje neste cenário em que por meio das redes sociais essa filtragem de informações que antes era quase exclusiva do jornalismo e dos veículos de comunicação passa a ser vivenciada de forma muitas vezes falsa por diversas vozes, num contexto em que o “lugar” tradicional do jornalismo como detentor de informação passa a ser questionado.

Uma das regras básicas do jornalismo aponta para a necessidade urgente e contínua de uma apuração rigorosa dos fatos. Um segundo olhar, sair da visão aparente, do que parece ser para o que definitivamente é. Nas redes, como produtores de notícias, diante de um turbilhão delas, essa filtragem é cada vez mais desafiadora. Sobretudo quando também queremos ser os primeiros a repassar o que recebemos. Longe de propor uma visão pessimista e unilateral de uma questão tão complexa, viver num mundo em rede permite do virtual para o real, inúmeros debates sobre as relações e estruturas sociais, bem como suas dinâmicas e especificidades em relação ao todo e ao indivíduo. Como nós nesta teia de relações, talvez a lição do jornalismo sirva para nosso cotidiano. Será que tudo que chega a nós é confiável? Quem são nossas fontes? Quais os caminhos? Para onde vamos? Sem os tradicionais limites entre tempo e espaço, as redes sociais se reconfiguram constantemente, como diz o espanhol Manuel Castells. E nestes tempos de modernidade líquida, para citar Bauman, um segundo olhar sobre o que vemos nas redes sociais pode ser uma alternativa. Em busca da verdade. De dias melhores também.


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