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Globalização e mudança climática

Felipe Sampaio
Membro fundador do Centro Soberania e Clima; ex-assessor especial do ministro da Defesa (2016-2018); foi secretário executivo de Segurança Urbana do Recife

Publicado em: 09/05/2022 03:00 Atualizado em:

Há quarenta anos, pensávamos no que fazer com o meio ambiente na era da globalização. Agora, a questão é o que fazer com a globalização na era da mudança climática.

A globalização encontrou um adversário (o clima) que também não respeita fronteiras e soberanias nacionais. Inconsequente como todo narcisista, o mercado atiça o Armagedom com vara curta.

Situar o início da globalização é assunto que anima os especialistas. Pode ter sido na migração do sapiens, quiçá na expansão de Roma, ou nas Cruzadas, ou com as grandes navegações, talvez na revolução industrial, ou após o boom digital.

Tudo, no entanto, aponta para o entrelaçamento das dinâmicas que definem a evolução da humanidade, da sua riqueza e do Estado, em escala planetária.

Apesar dos discordantes, é visível que o mundo tende a uma interdependência, seja por fatores energéticos e tecnológicos, seja agora por imposição das alterações no clima.

Vale lembrar que globalizar, por si só, não melhora (nem piora) o bem-estar humano em geral.  O que muda é a velocidade, a profundidade e o alcance da relação causa-efeito.

Podemos dizer que, no estágio atual da comunicação e do compartilhamento de dados, atingimos o nível de velocidade instantânea, profundidade abissal e alcance planetário.

Veja, por exemplo, a rapidez do impacto de crises como a pandemia da Covid19, ou a guerra da Ucrânia, sobre outras áreas do planeta (com prejuízo dos mais pobres em primeiro lugar).

No caso do Corona, um lockdown em Xangai afeta a economia mundial antes mesmo de ser decretado. Enquanto isso, o vírus propriamente dito está a poucas horas de avião de qualquer país.

Já no caso da Ucrânia, os efeitos sobre os alimentos, energia, insumos, água e finanças também têm repercussão global e imediata. Sem falar no flagelo humanitário, imigrações etc.

Ainda assim, a disputa entre o globalismo neoliberal, o populismo nacionalista e o multilateralismo parece inesgotável, enquanto, por sua vez, segue inconcluso o debate sobre desigualdade social, democracia e a função do Estado.

A rigor, do modo como se consolida há três décadas, a globalização ampliou as desigualdades entre as pessoas e entre as regiões, além de cristalizar um desemprego estrutural sem volta.

Porém, outro drama atropela a geopolítica e o business global: a mudança climática avança impiedosa, sem se comover nem achar graça nas guerras, epidemias e ganâncias do mundo globalizado.

É como se a Terra jogasse xadrez com a humanidade. A cada peça que movemos, a natureza repensa sua jogada. A cada casa que avançamos, ficamos mais expostos ao xeque-mate.

Os lucros globalizados deixam marcas de difícil cicatrização, também em escala global. Vale tudo pelas ‘expectativas de ganhos futuros’ sem que se cuide de haver futuro.

A globalização tem benefícios inegáveis e seus efeitos colaterais ainda têm jeito. Mas cabe pressa, porque o clima do planeta será tão tolerante com o homem, quanto melhor for o clima das relações humanas.

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