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A goiabeira

Og Marques Fernandes
Ministro do STJ e ex-repórter do Diario de Pernambuco

Publicado em: 20/04/2021 03:00 Atualizado em: 20/04/2021 05:32

Os arredores de Brasília crescem de forma desordenada, mas há espaços verdes em que florescem buritis, ipês, aroeiras, perobas e pequizeiros. Na então nascente capital, nos anos 1950/60, essas árvores tombavam pelo machado daqueles que construíam suas casas na periferia da nova urbe. Teimosas, renascem para o encanto da segunda geração de brasilienses e outros moradores. Hoje, são “tombadas” pela empresa que cuida da preservação do meio ambiente para que não se extingam. Menos mal.

Lembro-me do apelo em feitio de misericórdia do mestre Oscar Niemeyer, a quem o presidente Juscelino Kubitschek outorgou o planejamento da cidade, ao lado de Lúcio Costa: “Não permitam que Brasília tenha mais de 500 mil habitantes”. Permitiram.

Verdade seja dita: a Capital Federal não é somente o cinza-concreto dos seus monumentos e edifícios ou o vermelho-tapete das suas repartições públicas e palácios. Soberano entre as árvores, os ipês rosa, roxo, amarelo ou branco colorem a vida da cidade, num vai e vem de tons, em meio às gramas esturricadas pela baixa umidade, entre os meses de julho e setembro de cada ano.

Tenho minha preferência. Conservo o olho comprido para uma goiabeira plantada no jardim do edifício onde moro. Não sei quem a plantou, mas foi um gesto de extrema delicadeza comigo, pois a o pé de goiaba cresceu até a altura do segundo andar, em que habito.  

Ela é a primeira visão do mundo quando acordo e observo pela  janela o azul infindável do céu do cerrado. Com os seus galhos próximos de mim, finos e compridos, parece querer me abraçar, entre possessiva e generosa, a prometer frutos.

Acho que essa árvore é minha, embora não tenha quase nenhum ciúme quando ela acolhe maracanãs e jandaias, corujas e tucanos, pombas e codornas, sequiosos por sombra e sumos. Contaram-me que, vez ou outra, uma moradora da vizinhança, armada com cesto e vara, extrai as frutas da minha goiabeira para transformá-las em doces que jamais comerei. Quanto ousadia!

Essas aves frequentam a minha árvore porque o ser humano invadiu e apequenou as suas habitações, ao correr do tempo. Comem, por falta de opção, folhas e frutos da cidade, que é um outro tipo de selva. Logo, têm prioridade na escolha do alimento que lhes aprouver. Não podem sofrer a concorrência do seu predador, que somos nós. Como me considero o dono emocional da goiabeira, decreto, a vassouradas: xô, vizinha.

Prefiro cultivar nos sonhos o dia em que a minha goiabeira também sirva de pousada para a arara-azul, sob ameaça de extinção, ruidosa viajante das veredas e das matas ciliares que margeiam as cachoeiras do cerrado. Aqui, diante dos meus olhos, matará a fome. Acolá, no curso d‘água corrente que restar intocada, cuidará da sede.

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