Lula, Moro e o HC 164.493

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford
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Publicado em: 10/08/2020 03:00 Atualizado em: 10/08/2020 05:46

Os movimentos do PGR Augusto Aras em relação à Lava-Jato remetem-nos a uma falsa opção. Ou se apoiariam os procuradores da República de Curitiba ou se estancariam as investigações. Quem não se limita à lógica maniqueísta binária, todavia, sabe que Augusto Aras acabaria por concentrar poderes, se conseguisse centralizar a Lava-Jato. E quem garante que não os utilizaria de modo tão seletivo como Dallagnol? Talvez seja possível almejar, a um só tempo, a continuação das investigações e o respeito aos procedimentos e garantias do processo penal. Sem alvos seletivos e sem leniências também seletivas. O tema tem implicações para o futuro da administração da Justiça no Brasil. Mas também para o futuro político de um país cuja política foi judicializada. É o que se discute em O Livro das Suspeições, organizado por Lenio Streck e Marco Aurélio de Carvalho, que acaba de sair. Em 32 textos, 40 autores debruçam-se sobre um catálogo de ilegalidades praticadas pela Lava-Jato sob a coordenação estratégica de Sergio Moro (https://www.slideshare.net/LeonardoAttuch2/livro-das-suspeies-evidencia-parcialidade-de-moro). Deles, Moro emerge como um personagem que antes mesmo de ter largado a toga já fazia política usando-a.

Há muitas pessoas conscientes de que Lula não é uma vítima inocente da corrupção do nosso sistema político. Mas, ao mesmo tempo, não gostam da ideia de juízes parciais. Ou rejeitam as arbitrariedades e o vale-tudo em nome do combate à corrupção. Felizmente há quem entenda a importância dos procedimentos legais, sobretudo nos processos em que está em jogo o bem maior da liberdade. Para todos esses, o melhor é que a 2ª Turma do STF conclua logo o julgamento do HC 164.493 em que se discute a suspeição do juiz Moro no processo de Lula. Com dois votos contra a suspeição, dos ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia, o placar pode virar se os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski confirmarem a parcialidade do juiz Moro. A consequência seria a anulação da condenação de Lula por força do art. 564 do Código de Processo Penal.

Que o STF reconheça o que já se sabe. Que o então juiz-celebridade Moro foi mais do que parcial no julgamento de Lula. Agiu como seu inimigo, pelejando ‘num ringue’, como ele afirmou à Globo News em 05/07/20. Se isso significar uma nova candidatura de Lula em 2022, paciência. Que seus processos voltem a ser julgados por juízes que respeitem o processo penal. E, politicamente, que ele seja julgado pelo povo. Uns votarão nele porque acreditam na falsa narrativa da vitimização e na de que a crise atual foi criação espontânea dos governos que se seguiram ao desastre Dilma Roussef. Outros, não. Os que já o abandonaram pelos encantos do auxílio-emergência poderão continuar fiéis à busca por um ‘pai dos pobres’. Aderentes a um Jair Bolsonaro convertido aos encantos do novo Bolsa-Família, o Renda Brasil. E também os que sabem que a história anda e que eventual candidatura de Lula seria um regresso a um passado que foi muito menos virtuoso do que imaginavam.

Por outro lado, os que alimentaram a sede de glória do falso juiz-herói podem ter  aproveitado a quarentena para refletir. Que enxerguem que a vista grossa aos desmandos de um juiz parcial pode ter sido um dos fatores que elegeram o atual presidente. Que hoje conduz o país desastrosamente. Hoje se sabe que Moro, Dallagnol & cia. tinham um projeto de poder. Chegaram a tentar montar um aparelho – uma ‘fundação’ - com os R$ 2,5 bi da Petrobras recuperados por autoridades americanas. Talvez ainda o tenham com o sonho de eleger Moro em 2022. Resta saber se mais uma vez vai-se fazer vista grossa a isso. Se parte da imprensa vai continuar a se deixar usar para vazamentos seletivos. Se nos postos de juiz e procurador, esses personagens fizeram o que fizeram, imagine-se o que farão se o seu líder for eleito presidente.  Moro seria a repetição de uma fraude. Quem sabe os dois inimigos, Moro e Lula, não vão se encontrar nas urnas? Recente pesquisa do Instituto Paraná, publicada pela Revista Veja, coloca Bolsonaro (27,5%), Lula (21,9%) e Moro (16,8%) entre os três que lideram a corrida para 2022. Pobre país esse que pode vir a ter que optar entre um dos três em eventual 2º turno.

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