Pernambuco, Jardim dos Baobás

Antônio Campos
Escritor, editor, membro da Academia Pernambucana de Letras e presidente da Fundação Joaquim Nabuco

Publicado em: 15/06/2020 03:00 Atualizado em: 15/06/2020 06:23

Na vasta programação cultural da Fliporto – Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas, no balneário paradisíaco do Litoral Sul de nosso estado, na sua 4a edição, de 6 a 9 de novembro de 2008, que tive a honra de presidir, o baobá, símbolo máximo dos povos de raízes africanas e dos afrodescendentes pernambucanos, teve um destaque especial. O baobá, no cenário do antigo porto de escravos, era parte integrante, como moldura e cenografia, do tema central: Trilhas da Diáspora. Literatura em África e América Latina. Foi uma oportunidade de celebrar os 120 anos da Abolição, o significado da África no Brasil e na América Latina. O caminho seguinte, diante de tudo o que aconteceu nessa memorável Festa literária, uma das melhores da Fliporto, com palestrantes nacionais e estrangeiros, foi a criação do projeto Pernambuco, Jardim de Baobás. Nessa trilha, nos seus dois primeiros anos, além de atividades culturais, foram distribuídos no meio da população, em escolas, mais de 15 mil livros voltados, a maioria, para a preservação ecológica. Para as creches de idosos e associações religiosas, tínhamos uma lista especial de doações. Dei a esse projeto, muito antes de meu ingresso na vida política local, o melhor do meu entusiasmo. Era a continuidade do movimento cultural Fliporto, que deixou uma marca pujante na cultura pernambucana.

Como tudo na vida é desejo – já dizia o sábio Espinoza - veio a necessidade de reunir em livro um pouco do que ouvimos da Fliporto/Africa 2018 e das lendas não só da África Negra continental, sobre a importância que essa espécie arbórea tem, predominantemente, para os povos da África Mãe, e para aqueles que se inspiram na sua perene força de resistir. Não há outra expressão humana do falar, no contemporâneo, do que dizer: RESISTÊNCIA. A grande metáfora, tão perto de nós, dessa mágica palavra, está no baobá recifense de Ponte d`Uchoa, que não se abate, nos seus mais de 300 anos, diante das enchentes do rio que banha a cidade e das tormentas ferozes das suas correntezas. A cidade pode ser toda invadida por essas águas, como no poema apocalíptico de Edmir Domingues (Cidade Submersa e outros poemas. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1972), mas o baobá resiste. Navegar é preciso, na voz do poeta, mas a hora é de Resistir. Também é preciso.

Estava pronta a matriz germinadora do livro Pernambuco, Jardim de Baobás, que teve sua primeira edição em 2011, que será relançado em julho de 2020. Estou dedicando essa obra ao inesquecível artista Francisco Brennand. Desde o começo, para esse trabalho editorial, que volta, agora, em nova edição ampliada, com um acréscimo de mais de 100 páginas, em formato e-Book, contei com a parceria do jornalista-fotógrafo Marcus Prado, autor das fotos. Para produzir esse material, Marcus fez um percurso iniciado em Igarassu, até o Sertão do Araripe. O livro, que pode interessar a leitores jovens e adultos, não tem nada a ser decifrado. Ele reinventa certas lendas e mitos. Conta histórias reais do baobá na África, berço da Humanidade e em Pernambuco. Há, no anexo, dezenas de notícias atuais sobre o baobá. É, também, um gesto de gratidão a todos que, (benguelas, cabindas, angolas, minas, entre tantos outros) trazidos do continente africano na difícil condição de escravos – foram mais de 3,5 milhões de negros – tiveram um papel significativamente importante na construção de nossa pátria. Por tudo o que se acha escrito por pesquisadores de muitos saberes na vastíssima bibliografia sobre a África e o Brasil, e em nome da memória histórica que nos une, procurei enfatizar, no final, uma questão que é dos nossos dias, de uma atualidade preocupante: precisamos extinguir, para sempre, a sombra viva e o travo amargo da diáspora negra de origem africana, com o fim de qualquer racismo.

A maioria esmagadora das pessoas não querem qualquer racismo. Estão esgotadas! O mundo, o contemporâneo, se vê absolutamente perplexo. O baobá, no meu livro, figura como símbolo imaginário dessa bandeira. É muito mais do que simplesmente uma árvore de grande porte que pode atravessar seis milênios. Ela carrega consigo a força da resistência, como aquele exemplar recifense de Ponte d’Uchoa. Pernambuco, Jardim de baobás, porque somos, depois da África continental, o maior berço germinador dessa árvore.

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