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Escrever bem e escrever ficção

Raimundo Carrero
Membro da Academia Pernambucana de Letras
raimundocarrero@gmail.com

Publicado em: 27/04/2020 03:00 Atualizado em: 27/04/2020 06:59

Nessa semana dedicada ao livro quero lembrar evento patrocinado pela Fundação Joaquim Nabuco, dia 23, exato Dia do Livro, com a curadoria de Mário Hélio e Sidney Rocha, numa festa em que se celebrou o digital com ênfase na escritora Clarice Lispector. Lembrei-me então deste tema tão apaixonante quanto polêmico: Escrever bem e escrever ficção.

Lembro-me logo das animadas discussões com Ariano Suassuna em casa de Maximiano Campos, nos domingos pela manhã. Por aquele tempo eu não admitia que para escrever basta querer. Mas o tempo foi me provando o contrário. Escreve-se como se quer, e pronto. O domínio da gramática e daquilo que chamam de estilo nem sempre é recomendável.

Os modernistas, sobretudo na linhagem de Mário de Andrade, proclamavam a contribuição milionária de todos os erros. O que não significa escrever numa tábua de equívocos. É diferente. Mas escrever ficção não é a mesma coisa que escrever. Porque escrever bem significa obedecer, obedecer, obedecer sem respeito ao personagem e, sobretudo ao narrador. Porque, em ficção, o narrador não é o autor. O narrador é, quase sempre um personagem da história. Ou alguém dentro da história. O autor organiza e harmoniza o texto. E o personagem nem sempre conhece regras gramaticais ou estilo sofisticado.

Antes dos modernistas, por exemplo, ninguém abria uma frase com o pronome. Ex: Me dê um cigarro.   Era sempre, e permanentemente: dê-me um cigarro.  Equívoco enorme. Mário de Andrade se insurgiu e reclamou, chegou a escrever um poema sobre o assunto.

No regionalismo nordestino, Gilberto Freyre chamava a atenção do erro para a documentação da fala. E influenciou o grande romancista Zé Lins do Rego, que defendia até aquele instante o estilo elegante, gramatical. O que não acontecia com Graciliano Ramos, que primava pelo formalismo gramatical e estilístico, para desgosto de intelectuais ligados ao popular.

No meu livro Os Segredos da Ficção trato deste assunto delicadíssimo, sobretudo para alunos que se apegam ao conservadorismo. Jorge Amado foi outro autor que assimilou a fala popular como elemento da técnica novelística.

Mas tudo começa com Lima Barreto que, na definição do crítico e biógrafo Francisco de Assis Barbosa, é o modelo do “autêntico escritor brasileiro” por todas essas qualidades estilísticas, se é possível dizer assim. O  que importa é que escrever ficção não é escrever bem. Neste sentido de uma gramática tradicional.

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