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O Município na Segurança Pública

José Arnon dos Santos Guerra
Coordenador Geral de Políticas para a Sociedade da SENASP. Organizador do Livro Azul das Guardas Municipais

Publicado em: 06/02/2020 03:00 Atualizado em: 06/02/2020 08:55

Em 1619, a vila de São Vicente-SP, com quase um século, tinha cerca de 3 mil almas e era uma das mais movimentadas da Colônia. Sua segurança era guarnecida pelos moradores e o vilarejo, uma sociedade distante e desconhecida da Corte.

Em 1808, a Família Real chegou ao Brasil e criou, no ano seguinte, a Guarda Real da Polícia da Corte, uma cópia da Guarda Real da Polícia de Lisboa, semente da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, a qual, na prática, servia mais para proteger os cortesões do que os fluminenses.

No século 19, outras Forças Públicas foram criadas, para atuar principalmente nas capitais. A Lei de 1º de outubro de 1828 atribuiu às Câmaras Municipais o serviço de polícia nos municípios, intenção pouco efetiva pela falta de meios e fiscalização, embora tenha reconhecido que a criminalidade não estava no Império ou nas Províncias, mas nas 641 cidades que o primeiro censo de 1872 contou.

A primeira Constituição republicana, de 1891, com o fito de conter forças políticas centrífugas, diminuiu a autonomia municipal. Com mais ou menos poder, os Executivos Municipais organizaram suas sociedades, resultando no mosaico de soluções atual. Hoje, cerca de um quinto das cidades brasileiras reconhece responsabilidade com a segurança pública e se esforçam para se proteger, como os primeiros brasileiros.

As respostas municipais são as mais variadas possíveis e envolvem Guardas Civis Municipais, Polícias Militares, Agentes de Trânsito, forças federais e até grupos locais. A cidade do Oiapoque, no Amapá, exemplifica o descrito até aqui, ou seja, arranjos locais com combinações coloniais e modernas em seus distritos. Vale ressaltar que o município quer criar sua própria Guarda.

A Constituição Federal de 1988 foi incompleta ao efetivar a responsabilidade municipal no parágrafo 8º do art. 144. O Estatuto Geral das Guardas - Lei 13.022/2014- foi incompleto ao estabelecer as atribuições das Guardas. A Lei 13.675/2018 deu aos municípios a condição de parceiros estratégicos da Segurança Pública sem garantir-lhes os recursos mínimos.

Foi assim que construímos o que há hoje, um cenário onde os prefeitos são responsabilizados pelos seus eleitores, mas não têm meios adequados para atendê-los: estão presos num labirinto jurídico, são onerados fiscalmente na compra de equipamentos de segurança, não têm estrutura para capacitação de seus agentes e tem dificuldades para integração com as demais forças.

Reconhecendo essa situação, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da SENASP, pretende mudar esse roteiro ao adotar a tarefa de organizar a segurança pública municipal, a começar por estabelecer seus princípios doutrinários.

Um primeiro passo foi dado ao se reconhecer o valor das Guardas Civis Municipais, que ultrapassam 1.000 instituições, contam com cerca de mais de 100.000 efetivos e atendem cerca de 140 milhões de brasileiros. Essas instituições, onde existem, prestam um serviço de imenso valor à Ordem Pública e são respeitadas.

Mas as Guardas precisam de mais, e de tudo, a começar do reconhecimento além dos limites municipais. Dois indicadores dessa realidade: na atual legislatura do Congresso não há um congressista egresso de Guarda, em que pese o crescimento da bancada ligada ao tema; além disso, a segurança pública dos 5.570 municípios do país recebeu cerca de 75 milhões de reais em emendas parlamentares para aplicação em 2020, o que é muito pouco.

Em 26 de agosto de 1789, os revolucionários franceses elegeram a segurança como um dos quatros direitos fundamentais do cidadão. Em 2019, mesmo com a expressiva melhora na taxa de homicídios, o país mantém quase o dobro do desejado pela Organização Mundial de Saúde, 18,65 homicídios/100.000 habitantes.

Sem saudosismos, é possível afirmar que uma das soluções foi o que a Lei de 1º de outubro reconheceu, ou seja, que o esforço do município é fundamental para combater a criminalidade e é preciso apoiá-lo na árdua tarefa de permitir aos brasileiros, mormente os mais simples, acreditar que o dia seguinte pode ser vivido sem medo.

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