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O desafio das cidades seguras

Felipe Sampaio de Almeida
Secretário-Executivo na Secretaria de Segurança Urbana do Recife

Publicado em: 12/02/2020 03:00 Atualizado em: 11/02/2020 22:11

Existe relação causal entre a situação dos lugares públicos e a segurança nas cidades? O americano Marshall Berman defendia a importância das praças e das pessoas nas ruas. A canadense Jane Jacobs falou do valor da vida em comunidade, da convivência, da diversidade de usos do espaço construído. O colombiano Carlos Mario Rodriguez nos recomenda conectar as comunidades com o mundo por meio da mobilidade, acessibilidade e tecnologia, e utilizar o potencial das paisagens naturais urbanas.

Apesar da herança de elementos urbanísticos como as praças maiores das cidades ibéricas ou os sistemas de saneamento romanos, as cidades atuais atendem ao padrão da economia industrial predominante até o século 20. As zonas centrais, os bairros residenciais, os perímetros industriais, os subúrbios de baixa renda, são parte de um modelo oitocentista, que perde protagonismo para um mercado financeiro e digital baseado em serviços e orientado por relações globalizadas.

Nas palavras de Catarina Carvalho, oficial de polícia em Portugal, as cidades tornam-se gradativamente inseguras - ora de fato, ora na percepção das pessoas - justamente porque a segurança urbana é afetada pelas condições do espaço público. Parodiando a Lei da Entropia, as cidades são sistemas que tendem ao desordenamento gradual. A dinâmica urbana se reinventa diariamente nos aspectos econômicos, demográficos, sociais, físicos e até climáticos. Nessa reorganização dos espaços e seus usos prevalece o interesse dos agentes sociais mais influentes.

Segurança é uma das principais utilidades do Estado. As primeiras formas de governo tratavam a segurança como proteção contra ameaças externas. O Estado Nacional moderno evoluiu para a criação de Forças de Segurança para manter a ordem pública e proteger a Monarquia. Atualmente, a gestão da segurança volta-se para o indivíduo, o direito à vida e o bem-estar das pessoas, abrangendo tanto os atos criminosos como o sentimento de insegurança dos cidadãos.

O Mestrado do Instituto de Ciências Policiais em Lisboa identificou que o sentimento de insegurança dos indivíduos está mais associado à degradação e ao abandono dos espaços públicos do que à criminalidade em si, principalmente no tocante à iluminação, à pavimentação de calçadas e ruas, à vegetação urbana e aos locais para crianças. Essa constatação reforça a teoria de Crime Prevention Through Environmental Design (Prevenção à Violência Por Meio do Desenho do Espaço Construído), em contraponto às ideias positivistas com enfoque em tipologias criminais e intervenções policiais.

Ou seja, faz sentido dizer que os lugares públicos são sim produtores de (in)segurança urbana, desde a fase de planejamento até a sua utilização e manutenção. O crime não é um evento aleatório no espaço e no tempo, e nem decorre apenas da disposição do delinquente. Estratégias como Broken Windows nos EUA, Safer Cities no Canadá, as políticas de coesão social da União Europeia, a ação territorial integrada em Medelín, atuam no planejamento e na gestão do ambiente urbano tendo foco na segurança.

Não custa acrescentar que as Guardas Civis Municipais são um ativo importante para a identificação de fatores críticos indutores do sentimento de insegurança e da ação criminosa. As Guardas devem colaborar com o projeto urbanístico da cidade desde a sua concepção até a utilização e manutenção dos espaços públicos, devendo estar capacitadas para opinarem tecnicamente no planejamento urbanístico e na sua regulamentação, sob o enfoque da segurança, atuando também no monitoramento do dia a dia, reportando o surgimento e a evolução de fatores críticos de natureza social, ambiental, econômica e física nas diferentes áreas da cidade.

A cidade do Recife vem experimentando iniciativas valiosas enquanto laboratório para políticas de prevenção, dialogando com os usuários dos espaços públicos, testando intervenções de urbanismo tático, democratizando a malha de iluminação e de ciclovias, por meio de projetos como os Compaz - Centros Comunitários da Paz, o Mais Vida nos Morros, o Pacto Pela Vida, a Rede de Bibliotecas Pela Paz e o projeto Ilumina Recife. Experiências importantes para uma futura elaboração de um plano urbanístico integrado com foco na Segurança.

Sim, as prefeituras administram uma realidade complexa e em permanente transformação. Sim, todo espaço público tende à degradação e ao abandono, proporcionando a ambiência favorável para a insegurança. Sim, é fundamental que o desenho urbano seja projetado em função do pilar central da qualidade de vida, que é a segurança para todos, em todos os lugares.

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