Clouds26° / 27° C
Música Rapper pernambucano usa música para despertar consciências em presídios JB Rapper canta a saída do submundo do crime e denunciar as mazelas do sistema prisional, onde oferta música aos detentos

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 13/04/2016 17:05 Atualizado em: 13/04/2016 18:02

JB conta, nas letras, a história de superação, a realidade das periferias e a falta de estrutura dos presídios. Foto: Ricardo Fernandes/DP
JB conta, nas letras, a história de superação, a realidade das periferias e a falta de estrutura dos presídios. Foto: Ricardo Fernandes/DP

É preciso serenidade para aceitar o destino. A frase ronda as memórias do pernambucano Juliano Silva de Andrade como se emitida em ecos sucessivos. Somente outra, sua preferida, lhe parece mais forte: é imprescindível coragem para modificá-lo. Tudo, porém, entre memórias e citações, é abafado há muito pelo som cadenciado do rap. Aos 31 anos, Juliano revisita as lembranças da adolescência assombrada pelo vício em drogas e as transforma em versos. É reconhecido pela alcunha de JB Mc Pregação, adotada junto com a música como ferramenta de transformação há sete anos. Regularmente, ele visita presídios e periferias da Região Metropolitana do Recife a fim de levar consolo, lições e conscientização política a detentos e jovens marginalizados pela dependência química.

Nas próximas semanas, o rapper finaliza as gravações do primeiro disco, cujo lançamento ocorre até o fim do mês, uma compilação de letras produzidas nas horas de folga do trabalho formal. JB é garçom em restaurante da Zona Norte do Recife de domingo a domingo. “O emprego e o envolvimento com a música vêm da mesma época, há seis, sete anos. Eu acabara de voltar de temporada em São Paulo, onde buscava me livrar dos vícios. Estava ainda pior do que antes da viagem. Uma amiga me deu apoio, me encorajou a recomeçar. Entrou no fogo comigo. Hoje, ela é minha esposa. E eu estou limpo há sete anos”, recorda Juliano. Entre os dez melhores amigos da juventude, o rapper assistiu ao sepultamento de sete. Foi apreendido por policiais e internado para cumprimento de medida socioeducativa. Olhando para trás, ele gosta de dizer que escapou da teia a tempo de se transmutar em nova criatura viva. “Viva e livre.”

Da infância e pré-adolescência na comunidade João de Barros, em Santo Amaro, o rapper resgata a chegada e a difusão do crack na capital pernambucana, tema de Guerra em Santo Amaro. Em Testemunho de vida, rebobina o próprio passado no intuito de ofertá-lo ao público como lição. “Comecei fumando cigarros, aos 14 anos. Depois, passei a beber. Cherei cola, cocaína, não tenho vergonha de falar. Fiz isso para me integrar no grupo. Passei dez anos dependente, de droga em droga, até chegar ao crack, a pior de todas. Vivi a época em que ele tomou o espaço da cola, no fim dos anos 1990, levando centenas aos presídios, hoje superlotados. Precisamos falar sobre isso. Meus raps o fazem por mim”, conta JB. Em Sofrimento e salvação, uma das letras mais carregadas de orgulho próprio, fomenta a esperança entre dependentes químicos e familiares. “Eu estava decadente, em descrédito. Hoje não consumo sequer bebida alcoolica. Quero provar que há saída, salvação.”

JB leva conscientização, apoio e lições de vida aos detentos. Foto: Ricardo Fernandes/DP
JB leva conscientização, apoio e lições de vida aos detentos. Foto: Ricardo Fernandes/DP
As idas regulares aos presídios são voluntárias. Ocorrem nos dias em que o acesso aos complexos é permitido a visitantes. Entra sozinho, sem a companhia do DJ que se apresenta com ele nos videoclipes e palcos. Entre um rap e outro, conversa com os detentos, promove pequenas palestras. A vida de um prisioneiro, inspirada na superlotação do sistema prisional, é uma das faixas mais aclamadas nesses momentos. “Misturo minha experiência de vida a mazelas sociais que atingiram a mim e a eles. Canto o que é bom e mau nas periferias. Canto as deficiências do Estado”, explica o compositor de Recife está de luto, bafejada pelas estatísticas da violência na cidade. JB, que começou cantando funk, viu no rap - historicamente enraizado nas comunidades negras dos Estados Unidos do século 20 - uma ferramenta de conscientização política e transformação social. Quer visitar escolas públicas, formar novos rappers nas periferias. Prevenir com arte. Dar o que não recebeu. “Eu teria me tornado um cara melhor, mais consciente, seria artista muito antes. A vida talvez fosse outra.” E volta ao princípio: “Mas, revendo tudo agora, que bom que não foi. Sou fruto do que eu vivi. É preciso serenidade para aceitar o destino. Eu aceitei.”

>> Letras da vida

A PRISÃO
JB acompanha de perto a rotina dos detentos em presídios pernambucanos e, inspirado neles, decidiu descrever a precariedade do sistema prisional e a tensão com que convivem os encarcerados. Rebeliões, dias de visita e superlotação das celas são temas abordados nos versos de A vida de um prisioneiro, uma das mais pedidas pelos detentos durante as visitas do rapper. A ideia, segundo ele, é usar a música como ferramenta de denúncia e documentação histórica da realidade prisional.  

A vida de um prisioneiro


Somos seres humanos e falhos
Todos merecem uma segunda chance
Homem aprisionado, dentro da cadeia
Pagando pelo crime que ele cometeu
O caminho errado que ele procurou
Pela porta larga ele encontrou
O caminho fácil
Foi o seu fracasso
A sua vida foi para o espaço
Dentro de uma cela, preso feito um bicho
Mal tratado, jogado como um lixo
Em Igarassu, Barreto Campelo
No Aníbal Bruno, um pesadelo
Hoje o filho chora e a mãe não vê
O sofrimento aqui é para valer
A superlotação, o clima é de tensão
Mais de 300 homens em um pavilhão
Num corredor, tem que respeitar
Na hora de dormir, pegue o seu lugar (…)

Os presos condenados armam rebelião
Fazem motim com facas e facão
É o inferno do mundo moderno
Dentro da cadeia, o tempo é eterno
Aqui não é São Paulo, nem Rio de Janeiro
É Pernambuco, é desespero
A sociedade já não aguenta mais
Oh, meu Senhor
Derrama Sua paz
Põe a Tua mão dentro das prisões
Liberta, traz salvação (…)

No dia da visita, em pleno domingão
Os presos se organizam no pavilhão
Armam seus barracos, fazem sua prece
Pedem pra Deus proteção, não esquece
Esperam sua mãe, sua família, sua mulher ou sua filha
Como é importante o dia da visita
É sagrado rever sua família
A prisão é destruição que abala a mente
E destrói o coração
Dentro da sua alma, mantenha calma
O inimigo de pé bate palma (…)

AS DROGAS
Entre as letras mais populares estão A Vida de Um Prisioneiro e Sofrimento e Salvação. Foto: Ricardo Fernandes/DP
Entre as letras mais populares estão A Vida de Um Prisioneiro e Sofrimento e Salvação. Foto: Ricardo Fernandes/DP
Durante a adolescência e juventude, Juliano acompanhou a ascensão do crack nas periferias pernambucanas, apontada por ele como uma das principais razões do aumento da violência e criminalidade. A dependência química se transformou em música em A guerra de Santo Amaro, na qual o rapper valoriza a favela João de Barros, onde nasceu, e alerta para os perigos das drogas. Cenas que ele considera traumáticas, como o enterro de amigos próximos e o luto das mães inspiram versos.

A guerra em Santo Amaro

Sou da favela do Recife, da João de Barros
Pernambuco, bairro de Santo Amaro
A cena de terror já começou
Favela da João, predominou
Recife para quando assim começa
A guerra do tráfico, o crime impera
Impõe o medo, a violência
Em toda a cidade, a decadência
Em todo o estado, a destruição
Que Deus proteja a favela da João

A cena é triste, a ideia é forte
Da Zona Sul à Zona Norte
O sangue jorra dentro da favela
Bandido mata, o pai enterra
A mãe lamenta de coração
Ver o seu filho dentro de um caixão
Em Santo Amaro, o clima é pesado
Em meio às guerras, os bondes são formados (…)

Selva de bala, é assim que é
Não respeita homem, nem mulher
Senhor Jesus, vem mostrar Tua luz
Liberta Santo Amaro, nos conduz
Eu sou JB e falo para você
Não é brincadeira, não pague para ver

A RECUPERAÇÃO
Para JB, a salvação é encontrada através da fé. O rapper conta que, com ajuda de amiga que se tornaria sua esposa, venceu a dependência química e contornou as estatísticas que relacionam drogas, violência e morte. Hoje, menciona Jesus na maioria das letras. Nas visitas aos presídios, além de cantar e narrar a própria trajetória, cita trechos da bíblia, que também o inspira a compor.

Sofrimento e salvação

Eu vim falar do sofrimento
Do mundo violento
A maldade, o dia a dia, isso é tormento
Precisamos de libertação
Jesus está voltando com a salvação
Pois o fim se aproxima
E quem tá de pé, irmão, cuide para que não caia
As igrejas se reúnem em oração
Para que no grande dia alcancem a salvação (…)

Eu vejo vidas sendo destruídas
Nas mãos do inimigo com a alma abatida
Oh, meu Senhor, Te peço por favor
Transforme essas vidas, em nome do amor
Sei que é difícil sair do sofrimento
A vida em pecado, a morte te leva pra dentro
Do buraco, da escuridão
Efeito dominó, sempre vai mais um irmão
Nas favelas, becos, vielas
Eu vejo na TV quando ele põe na tela
Vida louca, caminho de morte
Vida do crime, não conte com a sorte (…)
O inimigo arma para te ver no chão
Jesus está voltando, Jesus está voltando
A cada dia que se passa, o povo se matando
Mas Jesus está voltando, Jesus está voltando
Cada dia que se passa, o mundo se acabando
Há dois caminhos: o céu ou o inferno
No dia do juízo, todos os dois serão eternos

Eis aqui JB, um homem transformado pelo Senhor
Desde criança escutei a pregação
Se entregue a Jesus, abra o seu coração (…)
Amanhã pode ser tarde de mais
Siga em frente, não olhe para trás
O olho grande faz você cair na lama, sente o drama
Olhe para cima
Jesus está voltando, irmão, sente o clima
Com humildade no coração
Com paz, amor, liberdade e união

Mais notícias

Acompanhe o Diario de Pernambuco no WhatsApp
Acompanhe as notícias da Xinhua