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A dolarização da economia argentina

Alexandre Rands Barros
Economista

Publicado em: 25/11/2023 03:00 Atualizado em:

O presidente eleito da Argentina continua defendendo a dolarização da economia e o fim do Banco Central. A primeira ideia é possível e alguns países já foi até implementada. Não ter um Banco Central não faz sentido, pois ele é responsável pela regulação do setor financeiro, algo necessário para evitar crises sistêmicas sérias. Até mesmo para dolarizar, um Banco Central será bastante necessário. O que, provavelmente, ele fará será apenas mudar o nome da instituição, transformando-a em uma agência reguladora do setor financeiro. 
Abrir mão da moeda local é algo que exige alguns ajustes e pode ser perigoso para um país como a Argentina, nesse momento. Suas reservas internacionais atualmente estão abaixo de US$ 34,0 bilhões, tendo sido US$ 41,2 bilhões no final de 2022 (dados do FMI, IFS e WEO). Isso representa cerca de 5,5% do PIB anual previsto pelo FMI para 2023. Com a inflação atual elevada, a relação entre a base monetária e o PIB anual é meio irrelevante para se deduzir a necessidade de moeda em circulação no país. Essa relação no Brasil, no final de 2022, era de 3,45% (FMI, IFS e WEO). Ou seja, as reservas Argentinas são suficientes para lastrear toda a base monetária do país com a relação prevalescente no Brasil. 
Obviamente será necessário ainda se emitir uma moeda local, pois não é prático obter essa quantidade de dólares americanos rapidamente. Mas, o que tem que ser feito é assegurar todas as trocas dessa moeda local por dólar a uma taxa de câmbio fixa, quando a pessoa a apresentar em um banco ou no Banco Central. Isso se chama convertibilidade perfeita. Além disso, poder-se-ia permitir a circulação do dólar livremente no país, com aceitação compulsória, como ocorre com a moeda local. Assim, os dólares circulando internamente seriam também parte da base monetária do país. Embora essas definições satisfaçam a promessa de dolarização, surgem dois problemas. O primeiro é que o governo ou Banco Central só seria autorizado a emitir a moeda perfeitamente conversível até o valor que dispuser de reserva internacional. Ou seja, o governo não poderá recorrer ao Banco Central para comprar seus títulos públicos em troca de moeda ou depósitos bancários. O déficit público teria que estar bem controlado, de preferência ser zero. Se o governo começar a emitir títulos para cobrir o déficit público, ele perderá a credibilidade e a inflação voltará, havendo dificuldade para a circulação da nova moeda. O dólar vai deslocá-la e haverá inflação nessa moeda criada para gerar a liquidez necessária. Toda a reserva será sacada e o país terá um estrangulamento monetário, pois boa parte dela será entesourada. O déficit público em 2023 deve fechar em 3,98% do PIB (estimativa do FMI de outubro/2023). Isso teria que ser rapidamente extinto, o que requer uma mudança de muitas leis para tornar essa redução possível.
O controle do comércio internacional, que pode ser outro dreno importante da moeda local conversível, já existe na Argentina. Mas como o dólar estará disponível para todos os agentes, o incentivo ao contrabando será muito grande. Então, vai ter que se elevar o controle nas fronteiras. Também será necessário fazer controle de fluxo de capitais, pois somente assim vai se evitar ataques especulativos à moeda local, seja por descrença na manutenção da paridade ou mesmo desequilíbrios momentâneos no mercado de moedas. Ou seja, é possível fazer a dolarização da economia. Certamente, será difícil fazê-la com uma base de apoio no Congresso que não atinge 10% dos parlamentares.



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