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Desafios da arquitetura hospitalar pós pandemia

Hubert César Melo
Arquiteto e urbanista, especialista em arquitetura hospitalar

Publicado em: 08/03/2022 03:00 Atualizado em: 08/03/2022 05:49

Até o século 18, o edifício hospitalar tinha como função básica o acolhimento de doentes, com baixa perspectiva de cura. Os hospitais eram então, em geral, instituições religiosas, administradas por pessoas sem formação específica na área de saúde, e onde a assistência tinha o objetivo maior de dar mais conforto ao enfermo. Aliado à falta de conhecimentos para o tratamento de doenças, os ambientes internos desse tipo de hospital tradicional não se preordenavam a um funcionamento organizado, sendo comum a presença de vários pacientes dividindo o mesmo leito, falta de preocupação com higiene, baixo índice de ventilação e iluminação naturais. Ao final daquele século, tais edifícios já haviam evoluído nestes aspectos e adotado uma nova concepção de funcionamento, passando a prestar assistência aos necessitados como um propósito terapêutico.  

Em meados do século 19, a enfermeira Florence Nightingale, que questionou a “teoria dos miasmas”, realizou um trabalho de observação no campo de batalha, durante a Guerra da Crimeia (1853 – 1856), e apresentou um modelo ideal de internamento, Nightingale Ward, que tinha a finalidade de melhorar as condições presentes nos edifícios hospitalares, indicando que a saúde dos pacientes não dependia apenas da qualidade da prestação do serviço de saúde, mas também da organização espacial e organização do ambiente. Esse modelo foi fundamental, de tal forma que até as primeiras décadas do século 20 serviu de referência para projetos de hospitais com implantação térrea e, posteriormente, no período entre guerras, no desenvolvimento do hospital monobloco, que nada mais era do que a sobreposição dessas enfermarias. No decorrer desse século houve uma grande mudança nos edifícios hospitalares, com a incorporação de novos sistemas construtivos, tecnologia das instalações e equipamentos, setorização dos pacientes por patologia, organização dos fluxos, como também a preocupação em adotar preceitos de hotelaria, com o intuito de trazer comodidade para os clientes e pacientes, tornando o espaço mais humano e seguro.

Essas questões da Segurança do Paciente e da Humanização dominaram as discussões sobre arquitetura hospitalar nos primeiros anos deste século. Quanto à segurança, para além do que preconizam a Resolução 63/2001 da Anvisa e os guias e manuais dos planos de segurança elaborados pela Joint Comission (organismo internacional de acreditação de unidades de saúde), focados basicamente na queda do paciente - evento adverso mais notificado no Brasil, por exemplo -, abrangem todos os aspectos a ela relacionados no âmbito do edifício hospitalar, cujo projeto arquitetônico deve prever todas as medidas passivas e ativas que a possam garantir. Já no que concerne à humanização, revelam a transversalidade entre temas como arquitetura hospitalar, saúde, bem estar do paciente, familiares e funcionários, que vão além da simples promoção da saúde.

O último período, marcado pela pandemia de Covid-19, nos apresentou importantes desafios. A arquitetura hospitalar será a mesma após o combate ao coronavirus? Dificilmente. A palavra chave para o edifício hospitalar no porvir será “versatilidade”: construções modulares, com paredes removíveis, para que ambientes possam aumentar ou diminuir de tamanho conforme as necessidades; adaptáveis à emergências, com pontos de gases e energia instalados de forma oculta nos corredores, para que estes se tornem áreas assistenciais (vide Rush University Medical Center) e uso de áreas externas como estacionamentos para situações de calamidade; inteligentes, construções totalmente conectadas com os grandes centros de tratamento, robótica, atendimento remoto, reduzindo o fluxo e a estadia de pacientes; sustentáveis, que aproveitem a ventilação e a iluminação naturais nas áreas possíveis, que captem e reaproveitem a água da chuva, que usem a energia solar e tenham telhados verdes. Esses são exemplos de ideias imprescindíveis, que precisam ser incorporadas ao conceito do novo edifício hospitalar,

Para Foucault, o edifício hospitalar é um instrumento de cura com o mesmo nível de importância de um procedimento médico. Assim, aos arquitetos hospitalares cumpre desenvolvermos projetos que contemplem a versatilidade que o momento exige, como relevante contribuição a que se alcance tão nobre propósito.

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