Diario de Pernambuco
Busca
A tragédia do Circo Vostok

João Alberto Martins Sobral
Jornalista

Publicado em: 16/07/2021 03:00 Atualizado em: 16/07/2021 05:53

Termino hoje a série de artigos sobre os principais circos que se apresentaram na nossa cidade, lembrando o Vostok, onde aconteceu uma tragédia que abalou nossa cidade:

Armado num terreno junto do Shopping Guararapes, o Circo Vostok protagonizou uma tragédia que foi destaque vários dias na mídia nacional (e até internacional: uma equipe da BBC veio fazer matéria). Foi no domingo 9 de abril de 2000. O garoto José Miguel dos Santos Fonseca Júnior, de seis anos, foi à sessão da tarde, como um presente pelo seu aniversário. Estava com o pai, José Fonseca e a irmã Mirella. A apresentação começou com 10 minutos de atraso e, depois de alguns números, foi anunciado intervalo de 20 minutos, para a montagem das jaulas no picadeiro, para o número com leões. O apresentador convidou as crianças para irem tirar fotos com os animais na área externa, além dos leões, elefantes, cavalos, macacos. Depois das fotos, Juninho, como era conhecido, estava voltando para seu lugar, com o pai e irmã, quando, de repente, o leão Bongo, de 220 quilos, projetou sua pata para fora da jaula e arrastou o menino para dentro do túnel que ligava as jaulas ao picadeiro.

O túnel tinha grades que eram unidas por cordas de náilon, em vez de ferrolhos, o que facilitou o ataque. Os leões que mataram o garoto estavam há três dias sem comer. No circo, o responsável pela alimentação dos felinos era o domador. O leão arrastou o menino para dentro do túnel que liga as jaulas ao picadeiro, começando a dilacerar a vítima. No meio do picadeiro, bem em frente ao público, outros leões começaram a atacá-lo. Ele foi mordido nas pernas, cabeça e tórax. Seu pescoço foi quebrado e o braço direito decepado; as vísceras ficaram expostas. Uma verdadeira cena de horror.

Claro que provocou um pânico, com as pessoas correndo para fugir. O pai e a irmã do garoto assistiram a tudo. Às 21h, uma guarnição da Polícia Militar chegou e matou a tiros de revólver e de fuzil dois leões. Uma hora e dez minutos depois, outros dois animais foram mortos porque arrebentaram a grade que os separava do corpo do garoto e começaram a devorá-lo. Os quatro leões foram necropsiados na Universidade Federal Rural de Pernambuco e descoberto que não havia nada no estômago dos animais. Mataram mas não comeram a carne do menino.

Especialistas, porém, sustentam que a suposta fome dos animais não foi a causa do ataque, mas sim uma reação instintiva típica de felinos. A mãe do garoto, a enfermeira Maria da Conceição Silva Guerra, separada do pai do menino e em novo relacionamento, estava grávida de oito meses e teve que ser hospitalizada, ao receber a notícia.

O único leão que sobreviveu foi um filhote de sete meses, que estava em outra jaula. Ele acabou sendo encaminhado para o Zoológico de Dois Irmãos, onde foi batizado como Leo e se tornou a maior atração do parque. Viveu 21 anos, com toda mordomia, em um recinto de 2,5 mil metros, fazendo a festa das crianças. Vítima de um câncer morreu em 16 de janeiro de 2021. E o zoológico nunca mais vai ter um leão.

O caso foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, que condenou a empresa ao pagamento de R$ 1 milhão em indenização para José Miguel dos Santos Fonseca e Maria da Conceição Silva Guerra, pais do menino, além de indenização por danos materiais. Valor foi reduzido para R$ 275 mil de forma parcelada. Os donos do terreno optaram por fazer o pagamento à vista. O fato fez com que Pernambuco fosse o primeiro estado a proibir a presença de animais nos espetáculos circenses, medida depois adotada em todo o país.

Os donos do circo se mudaram para os Estados Unidos, o domador desapareceu e o processo penal prescreveu. No ano passado, o Circo Vostok, mantendo o mesmo nome, voltou para apresentações em Curitiba. Espera-se que nunca mais retorne a Pernambuco.

MAIS NOTÍCIAS DO CANAL