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Patrimônio não é turismo

Roberto Ghione
Arquiteto, conselheiro superior e ex-presidente do IAB PE

Publicado em: 05/05/2020 03:00 Atualizado em: 05/05/2020 05:32

O patrimônio cultural de uma nação, cidade, vilarejo está constituído pelo acervo material e imaterial que determina a identidade social, assentado no desenvolvimento histórico. Sua etimologia deriva de pater (pai), referência à herança dos nossos ancestrais, que devemos preservar, cuidar, incrementar, legar em virtude dos valores artísticos, históricos, simbólicos e representativos.

Em relação ao patrimônio material, as implicâncias históricas, culturais e artísticas são determinantes para definir o acervo que uma comunidade decide preservar em função de critérios técnicos, conhecimento histórico, sensibilidade artística e compreensão da realidade contemporânea. Essa atribuição correspondente ao poder público em suas diferentes instâncias: nacional, estadual e municipal. No contexto nacional, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) assume a gestão do patrimônio cultural desde 1937, em caráter de Autarquia Federal, com superintendências em todos os estados da federação.

A natureza e essência do patrimônio está intrinsecamente ligada à cultura e a história. A gestão do patrimônio é, portanto, um assunto estrito do campo da cultura, motivo de estudos especializados e objeto de permanente debate interdisciplinar no contexto nacional e internacional. Porém, o atual governo nacional, ao eliminar o Ministério da Cultura (do qual dependia o Iphan), transferiu sua dependência para o Ministério do Turismo.

Esse arranjo institucional evidencia uma preocupante distorção conceitual, que desconsidera as importantes implicâncias históricas, artísticas e culturais do riquíssimo patrimônio cultural brasileiro, para reduzi-lo a objeto de consumo turístico, atitude que revela as limitações conceituais dos agentes do governo em relação a um assunto tão importante e sensível.                       

Eles parecem desconhecer que a atividade turística, que se aproveita dos atrativos oferecidos pelo patrimônio, em muitos casos atua como elemento predador. Numerosas cidades europeias, ricas em patrimônio da humanidade, sofrem as consequências do consumo turístico, com processos de gentrificação, descaracterização e agressão dos seus bens.

A recente nomeação de uma blogueira de turismo para assumir a Superintendência do Iphan no Rio de Janeiro, assim como de pessoas sem as qualificações técnicas requeridas em outros estados, revela o descaso, despreparo e ignorância em relação à matéria. Gestores que assumem funções sem entender o valor, alcance e significado dos assuntos que lhe competem, complicam e atrapalham o desenvolvimento genuíno do país. Uma sociedade cujos gestores não valorizam, cuidam e potencializam seu patrimônio cultural, agride sua identidade e valores, e compromete o futuro como nação. Será que é isso o que os atuais gestores públicos querem para o Brasil?

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