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Quando todos pensam igual...

Jacques Ribemboim
Economista ambiental

Publicado em: 26/03/2020 03:00 Atualizado em: 25/03/2020 21:21

Compreende-se a estratégia praticamente unânime adotada pelos países, procurando atenuar a curva de frequência da Covid-19 para não sobrecarregar os centros de terapia intensiva. Assim, ganha-se tempo para a instalação de novos leitos e para a preparação de antivirais. Nessa linha, recomenda-se o isolamento das pessoas e a paralisação da economia. Entretanto, essa opção acarreta efeitos de altíssima gravidade, não apenas em termos de redução da produção e do consumo, mas na própria saúde das pessoas, justamente o que se está querendo preservar.

As crises econômicas aumentam a vulnerabilidade social a doenças. Desemprego e redução da renda familiar resultam em elevação das taxas de morbidade e mortalidade decorrentes da ampliação da miséria, da subalimentação, da escassez de abrigo e da insuficiência de calefação no inverno. Indivíduos enfraquecidos se tornam mais vulneráveis a doenças, particularmente, os idosos e as crianças. Há um trade-off entre vidas ceifadas pela Covid-19 e vidas ceifadas por uma recessão prolongada.

Em 1918, a gripe espanhola dizimou milhões de pessoas em todo o mundo, não apenas por sua virulência, mas porque apanhou uma Europa plenamente exaurida ao término da Primeira Guerra Mundial, com uma população faminta e desabrigada. Isso voltaria a acontecer, em relação ao tifo, no final da Segunda Guerra.

Na atual crise, os governos deveriam tomar decisões baseadas em análise multidisciplinar, atendendo a recomendações de uma equipe de especialistas ad hoc, não somente epidemiologistas e médicos em geral, mas também economistas, engenheiros, estatísticos, demógrafos, geógrafos, juristas, psicólogos sociais, dentre outros.

Há diversas questões em aberto. Uma delas diz respeito à menor virulência da gripe durante o verão ou em regiões de clima ameno. Se for verdade que a Covid-19 é mais branda nestas condições, seria preferível que o pico da doença acontecesse agora no Hemisfério Sul, em lugar de ser postergado para o inverno. No Brasil, os estados do Sul e do Sudeste seriam os mais impactados por uma política equivocada e seria preferível antecipar a frequência máxima de ocorrências ou, em outras palavras, liberar as pessoas para que saiam de casa e retornem à vida normal, exceto os idosos. Desse modo, seria desejável atingir a “imunidade de grupo” o quanto antes, sem ter que estancar a economia do país (a imunidade de grupo ou imunidade coletiva acontece quando a população já está com um alto percentual de contaminação ou de pessoas que já tiveram o vírus, cessando a propagação).

Outra questão ainda não elucidada refere-se ao aumento de casos positivos em decorrência do aumento de pessoas testadas. Isso quer dizer que o vírus pode estar plenamente disseminado, faltando apenas a comprovação por exame. Na Coreia do Sul, onde a cobertura de aplicação dos testes tem sido bastante ampla – com pessoas sendo testadas dentro de seus carros – avaliou-se em 4% o número de contaminados. Pensando desse modo, é possível que uma considerável parcela da população urbana brasileira esteja contaminada sem o saber, simplesmente porque não há kits suficientes para a universalização do exame ou para testes de amostragem aleatória. A depender da taxa real de contaminação, podemos estar perto ou longe da sonhada imunidade coletiva. Como saber? Trata-se de uma hipótese que remanesce intestável.

De qualquer modo, o debate precisa continuar fora do âmbito exclusivo das certezas medicais, pensando-se, desde agora, em um plano de retorno à normalidade. Quando todos pensam igual, não há ninguém pensando – a frase é do escritor Walter Lippmann. Pensemos nela, ao menos.

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