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Naupatia

José Carlos L. Poroca
Executivo do segmento shopping centers

Publicado em: 23/03/2020 03:00 Atualizado em: 23/03/2020 06:30

Walfrido (*) ressurge, inesperadamente, após o carnaval. Não posso exigir dele um prévio aviso pelo zap ou por e-mail, pois, pela sua própria condição, não usa telefone nem computador. É – como direi? – das antigas e não está nem aí para o que vai aparecendo. Desta vez, estava com cara emburrada, reclamando do que andam fazendo com as abelhas e vagalumes – ambos ameaçados de extinção. A causa é justa. “Os seres inteligentes” – referia-se aos humanos – “se fazem de desentendidos quando veem que isso ou aquilo não é da sua conta ou não vai afetá-los. O ser bicho-homem é um predador e age de acordo com as circunstâncias e interesses”.

Walfrido aponta as consequências provocadas pelas chuvas que caem de forma descontrolada, causando enormes estragos de Norte a Sul. “Obra do homem” – faz questão de ressaltar. E é. Redução de áreas verdes, construções em encostas, diminuição das margens dos rios, ocupação desenfreada de espaços que serviam de receptores de águas das nuvens – tudo isso vem contribuindo para as calamidades que vão continuar acontecendo.

O penífero fica mudo por instantes e, de repente, traz fato ocorrido envolvendo dois excepcionais músicos de jazz: Charles Mingus e Roland Kirk - este, cego desde os dois anos de idade, era o que pode ser chamado de cão chupando manga; tocava vários instrumentos (sax, flauta, clarinete, trompete etc.). Geoff Dyer, em “Todo Aquele Jazz”, diz que Kirk era uma enciclopédia de música negra armazenada, como emoção, no corpo. Os dois músicos, em bate-papo, falavam sobre a possibilidade do choque da lua com a terra, quando um perguntou ao outro “você sabe como é um ovo?”. O interlocutor respondeu que o ovo se parecia com o sol: amarelo, brilhante e com nuvens ao redor. Bingo!

Ao trazer a cena para os dias de hoje, Walfrido tentou, a seu modo, ilustrar o que ocorrendo nos tempos atuais em que só se admite que o outro esteja de um lado: o seu. Vive-se momento crítico, com parte da humanidade sofrendo de naupatia – mesmo em terra aparentemente firme (Os movimentos provocam enjoos e a sensação de que estamos em mar agitado, com o barco no balanço do pra lá e pra cá, pra cá e pra lá, com bônus: cartela all inclusive de náuseas, vômitos e vontade de sumir – a critério do freguês). Além da intolerância generalizada, esse novo vírus (o tal do corona) vem pra chacoalhar e se somar às dúvidas sobre formatos do sol e da terra. Até São Jorge, na Lua, está com tonturas. É como estivéssemos no meio do mato, em dúvida sobre aguardar ou correr do bicho. Oremos.

(*) Penífero tagarela que fala em português, canta em vários idiomas e aparece de vez em quando na minha janela.

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