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História virulenta

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República. Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King's College London - KCL

Publicado em: 18/03/2020 03:00 Atualizado em: 18/03/2020 09:24

“A história da humanidade contada pelos vírus, bactérias, parasitas e outros micro-organismos” (Editora Contexto, 2015) é o título de um livro que, comprado, folheado e jogado numa estante qualquer, por estes dias resgatei para reler. Seu autor é o médico infectologista brasileiro Stefan Cunha Ujvari. É um trabalho muito interessante. E, em tempo de coronavírus, nem precisava dizer, é atualíssimo. Recomendo.

Entusiasta das vacinas, quando da primeira leitura do livro, eu fiquei tocado com a história da antirrábica, desenvolvida por Louis Pasteur (1822-1895), a partir do caso do menino Joseph Meister (1876-1940), que, atacado por um cão raivoso, em 1885, foi a primeira pessoa a receber oficialmente essa vacina. Foi curado e até acabou trabalhando para o futuro Instituto Pasteur. A vacina virou tratamento para a raiva, mudando também a rotina dos nossos cães e gatos que, vacinados, vivem hoje conosco alegremente. Que a ciência nos traga mais vacinas!

Desta feita, por motivos óbvios, corri para o capítulo relativo às “gripes”. E fui lembrado de que, no fim da Primeira Guerra Mundial, a Europa foi assaltada por uma das piores pandemias de gripe da história. A espanhola, de 1918. Nascida na América ou na Ásia, alastrou-se pela Europa com a guerra. Passando de pessoa a pessoa, o planeta ficou gripado. Consta que um navio proveniente de Liverpool, com paradas no Recife, Salvador e Rio de Janeiro, trouxe a gripe espanhola para o Brasil. Estima-se que “vinte milhões de pessoas morreram de uma gripe muito mais letal do que costumávamos presenciar. Alguns pesquisadores elevam o número de mortes para próximo dos quarenta milhões. Não era um vírus qualquer da gripe, era um vírus recém-criado e recém-entrado no organismo dos humanos. Como não estávamos habituados a ele, não apresentávamos defesa formada e necessária para evitar tamanha mortalidade”. Aliás, longe de ser incomum, quase todas as eras da humanidade tiveram as suas “pestes”, com as suas letalidades, sendo talvez a mais famosa delas a “Negra”, que, no século 14, segundo estimativas, matou entre 75 a 200 milhões de pessoas, reduzindo em um terço a população mundial de então, que só voltaria ao mesmo patamar de outrora no século 16.

Já a ideia principal do livro, segundo as palavras do seu autor, é mostrar como esses males que atacam a humanidade – malária, sífilis, tuberculose, ebola, gripe, sarampo e por aí vai – “revelam muito mais da nossa história do que imaginamos. Os passos do homem ao longo das épocas, pelos continentes, o início da utilização de vestimentas, a convivência com diversos animais, o encontro com outros seres humanos: tudo isso pode ser desvendado agora com o estudo microscópico de vírus, bactérias e parasitas que cruzaram – e cruzam – o nosso caminho”.

Sacada fantástica: conhecer a história da humanidade através dessas patologias. Mas eu quero enfatizar um outro viés. Esses males e seus agentes têm sido não só testemunhas, mas também protagonistas do nosso processo histórico. Eles mudaram a nossa história. “Dizimando populações, estimulando conflitos, infectando combatentes, promovendo êxodos, propiciando miscigenação, fortalecendo ou enfraquecendo povos”, eles condicionaram a existência humana.

Hoje, temos a “nossa” pandemia. E não temos ainda vacina ou tratamento para esse novo coronavírus. O risco de vida, para alguns grupos, é enorme. As economias derretem. O pânico começa. Não sei como sairemos dessa. Espero que vivos. Mais fortes. Mais unidos. Menos insanos. Sem fantasias. O Brasil e o mundo. Para contarmos o que virá a ser a nossa história.

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