Filosofia da crise: o mal e o antídoto

Eduardo Neves
Servidor Público e Professor
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Publicado em: 21/03/2020 03:00 Atualizado em: 21/03/2020 07:12

Filosofia é saudade da Pátria. Somos navegantes a cruzar o mar da vida, buscando retornar ao Estado ideal de onde viemos. Para obtermos êxito na travessia, faz-se necessário conhecer as leis naturais que regem a existência física e moral na Terra.

A lei de progresso revela que tudo vibra para níveis mais aprimorados de consciência. Às criaturas compete crescer naquilo que são por natureza. Assim, a alma racional humana atinge o sumo bem através de uma vida que atualiza as potências da verdade e da justiça, da beleza e da bondade. E todas as forças da natureza tramam para forjar essa sabedoria no homem. Parte constitutiva do homem, contudo, tende à inércia, quando não à guerra. Regozijamo-nos na zona de conforto, entregamo-nos ao eu animal que se compraz no plano da horizontalidade, gastamos muito tempo presos às leis do ritmo e da polaridade agindo por medo e interesse. Para evitar o desperdício de nossa energia com uma existência esquecida do Khristós em nós, a grande Mãe, em ciclos de eterno retorno, imprime-nos uma força de verticalização, que nos impulsiona ao dever situado no cume da pirâmide de nós mesmos.

Crise é sempre momento de esgotamento de um patamar de experiências. Basta de provas e expiações! Estamos saturados da separatividade que causa destruições internas e externas. Suplicamos por ordem, aspiramos por regeneração. Eis que a Vida nos tange num movimento de recolhimento aos nossos lares, para concluirmos que a verdadeira família é a humanidade. É tempo de distinguir, discriminar, separar o joio do trigo e selecionar os valores fundamentais da vida, a fim de que possamos passar para um novo degrau de existência na Terra. A crise é lição da nossa Mestra para aprendermos a discernir o bem do mal e o verdadeiro do falso. Que as nossas paixões temam! Que o nosso orgulho apavorado ceda ao despertar da consciência para a vivência do amor incondicional!

Não temos sido capazes de harmonizar nossa personalidade em torno do reino interno das bem-aventuranças. A perda da razão gera ignorância e loucura. Eis a causa da violência generalizada. A Terra necessita de uma aliança de paz através de uma dialética tolerante em face dos bilhões de níveis de consciência encarnados. Para tanto, a Natureza nos toma quais porcos-espinhos que não podem se unir senão por sua parte mais frágil e desprotegida. Assim, utiliza-se das dores físicas e psicológicas oriundas das experiências do contraste: a perda do essencial nos ensina a valorizarmos o que tínhamos, bem como nos leva a refletir sobre o apego ao que é evanescente, causa de toda sorte de sofrimento. Apenas com a superação da contradição desses elementos, à luz da lei de geração, criamos nova síntese de humanidade sob bases morais mais elevadas: a era dos seres que se esforçam para sair da caverna da ignorância, em direção à luz do Bem.     

Ademais, temos vivido as condições necessárias para refletirmos sobre a lei de unidade: problema de um, renúncia de todos; dificuldade de todos, responsabilidade de cada um. Não é hora de culpar, nem de se desesperar. Lembremos que somos co-criadores e, pela lei de correspondência, nossa realidade refletirá os padrões de vibração dos nossos pensamentos. A consolação pela Filosofia pode ser encontrada na noção estóica de responsabilidade, ligada à lei de causa e efeito: atraímos certos tipos de problemas, em função de nossas carências morais, os quais precisam ser por nós confrontados para que possamos crescer em termos de valores e virtudes humanas. Assim, a razão indica que a humanidade terrestre precisa passar por essa crise, porque é chegada a hora de galgar novo patamar de vida moral: é preciso escolhermos pela reforma íntima do homem. Soa, na história, o momento de crescer. Hão de ser humanos! Eis o grito da crise.

A solução não está em se adotar partidos nos polos mais à esquerda ou à direita, nem se trata de querer mudar externamente o outro. O ponto é mudar internamente, escolhendo, com neutralidade, a posição de cima. Encontramo-nos presos na “barriga da baleia”, instante de nossa jornada em que o Mito, que subjaz e determina os fatos, vem simbolizar que o melhor em nós mesmos precisa governar. A vida nos conclama a tomar posse de nós mesmos. Não há mais tempo para vivermos entregues à democracia interna, em que as várias vozes do pequeno eu pedem a satisfação dos seus mais variados desejos, numa fuga desvairada dos deveres. O amor precisa reinar entre nós.   

Aproveitemos, pois, esse momento de quaresma introspectiva, em que todos somos chamados a entrar no templo do nosso coração para, individualmente, desconstruir o egoísmo e o apego ao não-ser e iniciar o processo de regeneração da vida como homens-pontífices entre a Terra e o Céu, na certeza de que o Cristo está no leme e que o único antídoto contra as presentes moléstias da humanidade é o amor. 

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