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Covid-19: algumas consequências

Alexandre Rands Barros
Economista, PhD pela Universidade de Illinois

Publicado em: 24/03/2020 03:00 Atualizado em: 24/03/2020 06:11

A Covid-19 está causando uma revolução social e econômica. Pelo lado da economia, apesar da imprecisão, já se sabe que vai provocar queda na taxa de crescimento do PIB brasileiro este ano. De previsões em torno de 1,5% de crescimento, passou-se a vislumbrar taxas negativas para 2020, com queda às vezes a mais de 1%. A partir de 2021 a economia já deve voltar ao normal, se novos acontecimentos imprevisíveis e de impacto econômico não surgirem. Vai haver uma seleção grande das empresas que continuarão a operar, pois muitas deverão entrar em colapso. Infelizmente, esse processo de decisão de quem sobrevive não será por produtividade, pois o estrangulamento financeiro será o seu maior determinante. Muitas vezes as empresas mais endividadas eram aquelas mais competitivas e por isso se alavancaram mais em processo de expansão recente. Ou seja, a seleção dos sobreviventes poderá até mesmo reduzir a produtividade agregada, além de seu crescimento nos próximos anos. Mas a economia não sairá dessa crise a mesma de antes.

O primeiro conjunto de mudanças refere-se à estrutura tecnológica. Deverá persistir uma maior quantidade de trabalhos desempenhados remotamente, após o término da necessidade de isolamento. Muitas empresas perceberão que não há queda de produtividade em algumas dessas atividades enviadas para casa. Isso deverá levar à manutenção parcial desse tipo de prática. Várias empresas poderão também perceber que algumas funções e atividades que desempenham não são de fato tão essenciais. Poderão extingui-las ou apenas terceirizar uma parte que seja realmente necessária. Isso levará a uma recuperação mais lenta do nível de emprego. Ou seja, a estrutura produtiva do país vai sair com outro formato.

As relações entre os diversos segmentos e classes sociais na composição do poder político e econômico também deverão sair com outro formato. A composição do poder no país hoje é baseada em uma aliança conservadora, liderada pelo segmento bolsonarista, mas conta com vários outros. Mesmo entre os conservadores, há diferenças claras. Havia muitos que queriam mais liberdade econômica, menos impostos e menos corrupção. Mas desejavam um governo responsável e eficiente. Entretanto, o segmento líder da aliança corresponde na direita ao que é o PSol na esquerda. Possui bandeiras com apelo aos segmentos conservadores, mas não tem nenhuma consistência operacional nas suas propostas para o país. As suas bandeiras básicas são as de menos corrupção, conservadorismo de costumes, e antiesquerda. De fato, não possui compromisso com um Estado menor, eficiência administrativa, abertura comercial, e outras bandeiras de um conservadorismo coerente.

A crise do coronavírus expôs aos demais conservadores a fragilidade desse “PSol tinha organização para ter um partido estruturado. No estresse, ele está expondo em demasia seu lado nefasto. Desrespeito às instituições e às pessoas, base não científica e/ou profundidade analítica na formação de suas concepções, nenhum compromisso com a verdade, apenas criando argumentos de acordo com sua conveniência e vaidade dos propositores. Obviamente, em momento como esse, tais posturas causam grande prejuízo ao país. Os demais conservadores começam a perceber o risco que consiste numa gestão com essas características. Por isso, a imagem do presidente já passa por grande desgaste. Aliados tradicionais já começam a perder a paciência e a criticá-lo. Outros segmentos conservadores também já se afastam e boa parte do centro já reduz sua ligação com o “PSol de direita.” Ou seja, até mesmo a composição de poder político sairá alterada da crise. Resta saber como será a formação da nova hegemonia política na composição do poder.

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